Só
Eu acordo sozinho.
Tomo café sozinho.
Se tiver serviço
vou e trabalho quase sozinho,
se não tem
fico em casa, leio e escrevo
depois almoço sozinho.
E passo a tarde sozinho.
A noite se anuncia
Sem sortilégios.
Vou à padaria, compro pão
volto e vou à missa sozinho.
Subo as escadarias
entro e sento no último banco
do lado direito
– da porta para o altar,
quase sozinho – e rezo.
Peço perdão por resistir
peço paz, rumo e um pouco de luz
e perdão por insistir.
Então vem a comunhão
e o cumprimento da Paz de Cristo.
meus irmãos me cumprimentam,
não estou sozinho,
percebo meu instante iluminado
em seus olhares.
Depois nos sentamos,
voltamos ao rito
e volto a estar quase sozinho.
A missa termina.
Vou à lanchonete sozinho.
Está quase vazia.
Duas atendentes
conversam no balcão,
enquanto outra limpa a mesa
que o casal,
que trombou comigo
na saída (e não me viu),
ocupava.
Peço meu sanduíche.
Como perto da porta
de costas para o balcão,
termino e saio sozinho.
Vou ao cinema.
Pego a última sessão.
Assisto um bom filme.
Sento sozinho numa fileira,
no escuro sou quase invisível.
Sou o primeiro a sair da sala
(acho que ninguém notou)
e volto para casa sozinho.
Não está frio,
mas aqui dentro
onde bate o coração,
o clima é everéstico.
Entro em casa, ligo a tevê,
não presto atenção
ao que passa.
Faço um lanche,
não tomo banho
(esqueço a tevê ligada)
e me deito com roupa e tudo
para, na manhã porvir,
acordar outra vez sozinho.
Em silêncio, grito:
Deeeeeeeeeus vai me deixar
morrer aqui sozinho?
Por favor: que à Hora Final
ninguém venha
roubar-me a glória.