Apelo
A minha filha mais velha tinha seis anos quando me separei da sua mãe. Ela foi morar longe de Salvador e numa tarde de 1984 eu lhe fiz esse poema, que também podia se chamar "Flávia".
APELO
Por que penso em ti
No frescor ameno do entardecer
E na paz sublime do amanhecer?
Por que rezo por ti
Quando a luz do dia cede à escuridão
E no pronunciar mudo de uma oração?
Por que choro por ti
Na calada da noite calada,
Na solidão de uma vida desvairada?
Por que procuro em ti
A razão dos meus sonhos doirados
Ao dormir o sono dos condenados?
Por que procuro por ti
No ir e vir de um andar sem prumo,
No velejar perdido de uma nau sem rumo?
Por que falo em ti
Nas pronúncias vulgares que o mundo infesta
E nas cantigas boêmias de uma seresta?
Por que chamo por ti
Na paixão incontida de um peito arfante
E na tortura sentida de um coração errante?
Por que gemo por ti
Na saudade que minh’alma embriaga
E na tristeza que o meu peito afaga?
Por que pergunto por ti
Aos viajantes que vêm ou que vão
Nesta angústia que explode o coração:
- Moço, torne ameno o meu sofrer,
que notícias você tem do meu viver?
E o moço calado, passa.
Passa dor, passa, passa...
Por que clamo por ti?
Porque a vida que nos uniu, nos separou
E de mim, só o meu sangue em ti ficou.