lembranças
Lembro quando brincava de ábaco
Lembro do abafadiço do armário aonde
costumava me esconder
Lembro de certo abajur lilás
De pano e porcelana
a luz difusa
A desenhar sombras complexas
Lembro na escola
Do primeiro dia
Da sede intensa
Dos bebedouros de biquinha virada para cima
E do mergulho no jorro de água
Lembro da primeira vez que vi
um piano
Percorreu-me um calafrio
E, aos poucos
Fui me aproximando
Duvidando que pudesse dominá-lo
Lembro de meu primeiro concerto
Caixinha de música
E, depois nunca mais pude ouvir
As caixinhas de música
Pois me remetiam direto pro piano
Dedicava horas, dias e anos...
Respirava compassos, bemol, sustenido
Fusa e semi-fusa
Sincopada
No meu coração de menina
Lembro do abrigo dos livros,
Dos contos,
Das poesias
De ler escondido os livros proibidos
De romances
De palavrões incomensuráveis
E engraçados
Tanta coisa que lembro
Que esqueci de quando fui feliz
De quando encontrei o caminho
De quando me senti amada
De quando me senti importante
No fundo a poesia redime tudo
Faz lirismo onde só havia tristeza e reticências.
Faz primavera de um jardim eventual.