Dois estranhos

Ele a olhou e viu outra pessoa

Procurou na memória

e estava lá: a verdadeira

Mas que importa ser verdadeira

se não passa de uma ideia?

Encarou, então, o fato:

“Só existe esta mulher, que desconheço”

Ela olhou a si mesma

e viu o tempo de mãos dadas com a tristeza

Envelhecia ao lado de um estranho

O outro, o verdadeiro, era só lembrança

Dormiu no passado

e permitiu que esse, muito diferente,

acordasse em seu lugar

Ele sorriu ao se lembrar dos beijos, das noites,

dos abraços gelados sob a chuva

Esforçou-se para vestir com aquela ideia

a falsa mulher real

Mas o rosto sisudo de agora

não cabia nas vestes alegres de antes

Ela preferiu mergulhar na rotina real

para não se afogar na quimera das lembranças

Era prática: “o homem do passado morreu no passado

O do presente pode ficar aí... tanto faz

Não o conheço mesmo, esse algoz

do homem que amei”

Dois corpos estranhos

sobre uma cama, também estranha,

distante das camas do passado

Entre os dois corpos desolados no leito frio,

um muro invisível

Invisível, porém mais real

que o amor cativo na memória,

dissolvido pela realidade ácida

Osvaldo Júnior
Enviado por Osvaldo Júnior em 09/03/2019
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