A NOITE DOS INSONES

Para Edna Lopes

A noite me envolve em seus braços

Como uma mulher envolve o seu amado

Nos últimos suspiros de despedida

Quando o rufar da guerra é anunciado

E numa nau sem porvir ele embarca.

Lá, onde esta nau aporta,

As noites são longas e o Tempo abreviado

Pela ignomínia plúmbea de sibilos pérfidos

Que ilumina a noite em luto anunciado...

E a pólvora queimada no ar aborta

Os gritos de morte e seu cheiro fétido.

Mas a noite que me abraça não é a mesma noite

Que consome dos condenados seus pecados vis

E abrevia as sífilis de ideológicas cismas

Dos que cedo calam seus rotos fuzis.

A minha noite tem um céu azevilhado

E fantasmas saltimbancos no Caminho de Santiago

Desdenhando dos aduncos marinheiros, no cais,

Dos navios mercantes no porto atracados

Trazidos por perigosos canais abissais.

Não tem, da outrora noite, o frenesi

Dos hieráticos sussurros e poemas temporais

Quando o galope do Tempo eu transcendi

E vi o Poeta cavalgar nos orbitais

Dos astros silentes que adejam no Universo.

Não tem o brilho cintilante das Três Marias:

Teu sorriso brejeiro e teus olhos convexos

Que tanta paixão inspiraram os meus versos

Nas insones noites de intensas calmarias.

E hoje fito a noite e vejo no écran

A frincha inconsútil dos meus desatinos

Negados nas noites de teu colo-divã.

Quedo-me solene para o pícaro destino

Da horda passante de sina passageira...

Junto-me à tribo, uno-me ao seu clã

E Morfeu me abraça em felicidade efêmera.

Salvador, 1988