Carioca

Como posso perder-me

Se desde o princípio jamais pertenci a mim?

Vaguei pelo Centro, débil e rápida

A fronte febril no calor não consumado

Apertavam-me o crânio mil verbetes do Aurélio

E da voz rouca nada havia de valor.

Lembrarão dos meus pés as longas ruas,

O céu sujo da cidade em que nasci,

Quando deles eu só tiver lembrança,

Como uma flor um dia colhida num jardim?

A materia dos pés deixam sua marca no tempo

Meu sentimento, entretanto, morre em mim.

Jamais viu a luz amarela do poste do Ouvidor,

O cheiro forte do Rosário,

Aquelas ruas, meu Deus, as ruas da cidade minha...!

Seria o homem capaz de eternizar qualquer coisa que seja?

Vejo meus irmãos,

Os perdidos, degenerados todos,

Todos eles unificados numa malha social,

Mas o que sou não tem classe nem espaço.

Não há onde fincar os pés.

Estrangeiro em meu berço esplêndido,

Meus pés não fazem ruído.

Não me viram passar,

Nunca estive.

Poderia ser uma despedida,

Não haveria mão erguida.

Poderia ser um cano na boca,

Não haveria pena.

Meu sangue escoaria na cidade minha

Como escorre a cal, a chuva e a merda.

Por que ainda caminho?

Por que ainda hei de caminhar?

Não são passos de gente que habitam meus passos.

É a febre,

O despertencimento,

Não sou nada além de um andar sem sujeito,

Um verbo de movimento,

Perdidos nestas ruas,

As ruas da cidade minha...

Zéfiro Alves
Enviado por Zéfiro Alves em 27/05/2018
Código do texto: T6347628
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