BONECA DE PORCELANA

Na estrada, o pé pisa o Caulino

E a inerte pedra, muda, escorre

E na ação de singular destino

Uma rara metamorfose ocorre

De valor minúsculo e desprezível

A argila, que antes, largada fora

Há de voltar, no fim, irreconhecível

Delicada obra de artífice, sedutora

E a massa disforme e sem valor

Que na existência fica ao vento

Fica morta, até outra vida compor

De beleza que se vê, olhar atento

Mas, para este estado de perfeição

É necessário um fogo de sofrimento

Para mudar a escura cor, em afeição

Num singular resplendor de momento

Até que a inata beleza se revele

Na superfície lisa e bela e fria

Porém só, a espera de quem a vele

A revelar do ego tudo que se sentia

Mas este êxtase alucinante

Que incute nos olhos delírio

Há de tornar-se, em ti, lancinante

Fragilidade eterna e martírio

Essa doçura de feição pura, delicada

Encobre n’alma tudo o que se clama

De não poder ser pessoa plena e amada

Mas uma simples boneca de porcelana.

Quinho Barreto
Enviado por Quinho Barreto em 14/04/2018
Código do texto: T6308854
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