A CASA NO FIM DA RUA
        

                                I


Provisoriamente
resta algo de mim:
tijolos, pó
carcaça de janelas.

Picaretas descascam
uma a uma
minhas camadas.

A cada golpe
saltam lembranças
hirtas de dor.

Passos por mim dentro
saltitantes...
pesados...
vozes de vários tons...
silêncios...
quadros...
algum bolor também pelas paredes.

Depois, todos se foram.

Ficamos eu e o jardim.
Flores jovens e antigas.
Seu mistério de luz
fazendo-me companhia
a mim, a última casa
no fim da rua.

O jardim...
morto antes de mim.
Vi as botas chegarem
pisando as cores
devastando os matizes.

       II

Havia olhos
que desciam a mim
de altíssimas janelas
depois subiam ao céu
miraculoso.

E o azul descia
quente e doce
inundando os rostos.

Eu lhes dava
um pedaço do universo
agora morro
anônima e só.

Não deixo testamento.





Do livro ESPELHOS EM FUGA, Editora Objetiva, 1989.