Dias de solidão
Dias de solidão
Não há som
Não há voz
Não há palavra
Lá fora os pássaros dialogam
num idioma que não entendo
Um casal de pombos vem vaiar
A minha existência
E eu, os espanto com varas e gritos
Dias de solidão
Travessia de deserto sem almas
Sem sombra
E sem sol
Só resta o calor intenso
Só resta o frio intenso e úmido
Do litoral
A doer nos ossos o reumatismo recolhido
Dias de solidão
Abandono do abandono
Deito-me a escrever, a ler
A corrigir e endireitar objetos de decoração
todos me parecem tortos
Os quadros que pintei emoções pálidas
Agora me atordoam e
Inundam a casa de mim mesma
E transborda pelas paredes,
Pelas frestas da janela
Lá fora a ventania sibila
Um rangido, um gemido agudo
igual soprano
Folhas em contracanto rompem
A unidade aguda e compõem um contralto
Grave e sonoro
Portas batem furiosas
Os animais se recolhem receosos
E, eu aqui sorvendo
deliciosamente minha solidão
encravada como brilhante
em minha calma
Procuro um espelho
E não me conformo com as sobrancelhas
procuro um chinelo
E não me conformo
de estarem frios e sujos
de estarem rotos
os sentimentos guardados no peito
o amor vai partir,
desaparecer
sem deixar sinal
mas não importa
sentimento transgride tudo
transcende tudo
até dias de solidão.