Inferno

Há alguém no meio da sala.

O local é escuro; a chuva é rala.

O vento é forte.

És tão torpe. Traído pela própria sorte.

Lamenta um horizonte que nunca alcançou.

De todas as velas apenas uma resta,

Iluminando quem ali senta; quem ali restou.

A figura é imóvel, sua sombra, não

Nasce da chama que ele decide manter.

Ela irrompe e o assombra;

Se materializa e se agiganta;

Mas nada interrompe a figura

E seu silencioso existir.

A chuva vira tormenta;

A chama fraqueja e a sombra barganha

Pois sem aquela flâmula de esperança

Ela morrerá.

O clarão dos raios ilumina o recinto; o vento entra pelas frestas.

O fogo tremula, as paredes tremem, a sombra estremece.

Ali nada resta senão aguardar.

A figura levanta, varre a sala com o olhar.

Lá está ela, acanhada, contando os segundos até acabar.

Ela o vê aproximando e se contorce; ela tenta ajoelhar.

Mas o fogo que a mantém já começa a fraquejar.

Tenta, mais uma vez, tocar-lhe o coração.

É da sua natureza ser assim, chateá-lo nunca foi a intenção.

Antes que terminasse de despejar a defesa de sua salvação

Esvaiu-se.

Atrás, a vela ainda queimava.

E a chama lentamente consumia seus arredores.

As paredes ardiam em brasa; a fumaça impedia sua visão

Como no inferno ele queima, em silêncio, atirado no chão

Consumido pelas chamas que ele consumia;

Engolido pela esperança que ele protegia;

Traído por uma figura que ele nutria em vão.

Lá fora a chuva é fraca.

O vento insiste.

Lá não há mais fogo,

Pois lá nada mais existe.