MISERICÓRDIA A VÊNUS

Perdido entre as fumaças estava seu coração,

Tentando guiar-se pela luz fria das ruas solitárias da madrugada,

Lançado como um lixo que não tem solução,

Sem poder sentir-se bandido, pois este ao menos era procurado.

Saliva engolida feito cacos de vidros,

Rasgava as entranhas de um ser de pele esfarrapada,

E a lua calada assistia aquela cena,

Sem compaixão não apontava a direção de sua casa.

As gotas de álcool secavam no deserto daquele coração,

E as memorias açoitavam como ressacas de inverno,

Engolido pelo cansaço levantava silenciosamente uma petição,

Misericórdia a Vênus no céu, implorava o fim.

Porque o frio também queima,

A fumaça intensificava,

Embriagado,

Sozinho.

E como se uma força oculta guiasse todas as águas sem rumo,

Chegou naquilo que mal sabia se chamaria de lar,

Debruçando toda a derrota sobre o travesseiro,

Permitindo o corpo vomitar sua alma que encontrava uma fuga nos sonhos.

Pela manhã quem era ele, miserável,

Que cortou as próprias asas,

Se escondendo em garrafa vazia, que gole a gole a fez secar,

E a dor na cabeça fazia lembrar que ali dentro haviam feridas onde as moscas sentavam.

O banho não era fácil, pois enfrentaria seu reflexo nos espelhos,

Caiu ao chão e chorando terminou de esvaziar-se,

Secou-se e viu a luz do sol que fazia arder os olhos,

E entre lágrimas entendeu que fugir era ser transeunte em vias sem rumo, e mais uma vez resolveu tentar.

Leonardo Guimarães Rosa
Enviado por Leonardo Guimarães Rosa em 27/02/2017
Código do texto: T5925643
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