VESTIDO DE TRAPOS

Com pouca claridade em seu quarto, se ouvia notas agudas de um piano,

A bailarina pálida girava sobre o espelho de uma caixinha,

As cortinas levemente agitadas faziam lembrar que o tempo passava por ali,

Os cabelos ainda desajeitados como a hora em que levantou de sua cama,

E olhar aparentemente fixo na bailarina, que na realidade fugia entre pensamentos,

Evidencias dos pesares de um coração dolorido,

Um castelo de ruinas, onde princesas e príncipes se vestiam de trapos,

E as paredes geladas serviam de ouvidos sem contestar,

Eram as prisões de uma razão que não sabia explicar,

Era o ar que não sabia ventar,

Era o sol que não sabia esquentar,

Tatuando um olhar em frente ao espelho, sem destinatário,

A bailarina ia diminuindo o ritmo e as notas agudas iam se dissipando,

Mas o coração, ah... o coração queimava,

Em seu fogo se afogava, e na garganta engolia seco,

Com a caixinha já parada, as cortinas dançavam em silencio absoluto,

Lá fora, nuvens encobriam o céu como nos meses de maio,

As folhas pelo chão eram empurradas pelo vento,

Elas reclamavam delicadamente pelo solo,

Debruçado sobre a madeira daquela janela uma gota salgada escorreu,

E de olhos fechados uma oração subiu aos céus,

E sem ver o que acontecia, anjos colhiam as lágrimas,

E com perfume regavam seu coração,

Exalando pelo vento, em algum lugar havia outra janela,

Outro príncipe que vestido de trapos perfumava o coração,

E foi na canção da paciência e nos acordes de esperança,

Que o vento combinou aqueles aromas,

Que os anjos construíram um novo sorriso,

Que o sol voltou a brilhar.

Leonardo Guimarães Rosa
Enviado por Leonardo Guimarães Rosa em 01/02/2017
Código do texto: T5899894
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