SINA

TADEU BAHIA - Autor

É imensa a minha tristeza

Nessas horas mornas e noturnas

Quando as horas passam numa lerdeza

Aprisionando ainda mais o meu coração,

O meu coração é um navegador solitário

Daqueles que somem nas borrascas

E logo é esquecido,

Nauta perdido entre mil galáxias

Sigo cumprindo a minha sina

Virando a cada dia que passa

As páginas do livro da vida

Na mais completa solidão...

As ruas das cidades repletas

De pessoas e de carros

Num movimento frenético

De escadas rolantes

Que sobem e descem

De elevadores panorâmicos

Que sobem e descem

Das oscilações da pressão arterial

Que sobem e descem

E dos enfartos de miocárdios

Que sempre acontecem...

...

Solidão doentia

Solidão congênita

Solidão genética...

As minhas tias velhas

E primas mais inteligentes

Não casaram,

E viviam e ainda vivem

Dentro dos seus casulos

Na mais total solidão,

Guardadas como num embrulho

Elas recordam suas vidas passadas

Guardando cartas antigas

Contendo declarações de amor ultrapassadas...

Doce e eterna solidão

Dos tempos da juventude distante

Com os meus cabelos longos e esvoaçantes

A caírem-me sobre os ombros,

Camisa aberta ao peito nu

As camisas berrantes

E o som dissonante

Do Caetano Veloso

Nos Festivais da Canção...

Festivais de dezembro

Onde bem me lembro

Da canção de verão de 1967:

“ALEGRIA ALEGRIA”!

E eu cantava aos dezesseis anos de idade:

“...por que não, por que não?!”

Ai... da juventude só amargas saudades

Um coração sempre magoado

Nunca correspondido,

Um coração sempre apaixonado

E nunca... jamais correspondido!

Os meus mais belos sentimentos

Escondidos (como leproso)

No recôndito mais escuro

E escuso do meu peito,

Os meus mais belos momentos

Abandonados (como Lázaro)

No fosso mais úmido

Do sombrio cemitério...

Ai... e a vida

Esse incompreensível mistério

Sobre o qual se debruçam

Os sábios, os intelectuais,

Padres, profetas e poetas

Em mil conjecturas...

A vida... inconsequente e breve

Igual à qualquer música leve

Ou uma peça de literatura!...

Don’t Let Me Down!

Canta o John Lennon no CD importado.

… Entra um sopro de brisa

Pelas janelas entreabertas.

A minha inteligência que supera

O papo sem lógica e pueril

De algumas mulheres que conheci

De alguns poucos anos para cá,

Elas são medonhas!!...

Representam o medo,

O MEDO DE TUDO!

O medo da noite

O medo do escuro

O medo da solidão

O medo de dizer NÃO!

E uma subserviência patológica

Aos gritos imperiosos

Da mãe neurótica delas...

A neurose...

A neurose plena e absoluta

Reinando feliz pelos quatro cantos

E recantos da casa,

Os olhares medrosos

E esbugalhados,

As mãos trêmulas e inseguras

Como se houvessem feito algum pecado,

O prenúncio da loucura

Nos cabelos em desalinho

Ou pateticamente arrumados

“em coque”

Como no início de séculos passados

Embora já estejamos

No limiar dos anos 2000!

Ai... a subserviência servil

Que aniquila... que mata...

E as enlouquecem!

Coitadas destas pobres mulheres,

Nunca se casarão... e nunca serão nada na vida!

Serão sempre solteironas e irritadiças...

Eu não...

Eu sou alheio a tudo isso

Cumprimento-as sempre polidamente

E logo lhes dou as costas - não lhes dou conversas,

Eu gosto de LIBERDADE!

E de andar de coração aberto

Às palavras doces e à poesia

Nos caminhos sem destinos da vida

Palmilhados com os meus pés descalços

E sem responsabilidades de nada...

Por isso não me acostumo

A essa subserviência

A essa demência

A essa insensatez...

(Por isso é que elas não gostam

Da minha liberalidade... da minha ALTIVEZ!).

Eu sou uma pessoa sozinha

Por isso, sofro...

E aqui, em meio à sabedoria

Útil

Da minha Biblioteca

Quedo-me taciturno e só

Na minha solidão...

Na minha tristeza...

Os minutos passam

As horas passam

A chuva passa

E eu aqui sozinho

Até acho graça

Da pressa do mundo!

O relógio dourado

Caro e bonito

Trabalha inerte no meu pulso,

Ele marca as horas e os minutos

Que me separam de mim mesmo

E da própria Eternidade...

O eterno existe

Ou será uma concepção filosófica

Inventada pela nossa lógica

Para preencher o vazio do tempo?

Ai... se pudéssemos explicar o inexplicável

Transformar os nossos sonhos em fatos concretos,

Mas não, fico aqui sentado a escrever versos

No ambiente clássico e solene

Da minha Biblioteca...

Vontades de abandonar tudo

Fechar as portas do apartamento

Jogar as chaves fora

E caminhar rumo ao esquecimento

Andar... andar... até perder a hora!

Noite fresca e vazia de terça-feira

Em que milhões de estrelas

Brilham por sobre a cidade

Iluminando a vaidade dos homens

Com o seu fulgor límpido

De saudades...

Os livros frientos do PABLO NERUDA

Os livros suicidas do VARGAS VILLA

E do FERNANDO PESSOA,

Os livros sociais e pervertidos

Do velho amigo JORGE AMADO

Que conta cada caso descarado

Que logo assanha com a nossa tristeza!

Os parentes agora elogiam

O aspecto solene do meu apartamento:

Quadros caros com molduras clássicas

Rebuscadas em ouro velho

E no estilo barroco,

A mobília altiva na cor de vinho

E a decoração do ambiente

Combinada em bronze, em púrpura,

E ouro!

A Santa Ceia Espanhola,

E um quadro rubro significando

A Passagem do Mar Vermelho

Presente ofertado

Quando do meu segundo casamento

Pela prima Betina Robatto

...

E nas laterais da peça

Mais duas pinturas da Betina

Datadas de 1954

Prenunciando uma arte moderna,

Resquícios dos modernistas primeiros

Dos idos dos anos de 1922!

Na sala da frente

Só um quadro meu, a carvão,

Demonstrando a minha inclinação

Pretensamente religiosa:

Retrato a Igreja de São Francisco

Todo o largo do Terreiro

Com os seus sobrados antigos

E a imagem do Cruzeiro

Ao fundo...

Antigamente o Terreiro de Jesus

Era considerado antro do submundo

Prostitutas, veados, toxicômanos,

Literatos, boêmios e poetas,

O Antônio Carlos Magalhães

Num ato magnânimo

Manda tudo aquilo recuperar

E hoje uma nova Bahia

Ali presente está!...

Nas paredes atrás da mesa de jantar

Existem várias fotos minhas

Tiradas nas companhias

Do querido amigo Jorge Amado

E do Antônio Carlos Magalhães

Demonstrando a imagem viva

A essas duas personalidades baianas!

Essas fotos para mim

São relíquias sem preço

Nas quais lhes demonstro o meu apreço

E irão comigo para a posteridade,

O Jorge Amado – Coronel das Letras

O Antônio Carlos Magalhães – Coronel da Política

E eu?... um tolo poeta

Que gosta das letras

E até hoje não sei para que lado vai a política!

Na minha Biblioteca, porém,

É que está oculta a minha riqueza

No meio de antiguidades e livros raros

É que me encontro a sós com a minha tristeza!

Com a música barroca tocando baixinho

A minha Biblioteca é um lugar picante

Onde cada canto e recanto seduzem...

Retratos antigos de molduras douradas

Candeeiros datados do início do século XX

Velhos ferros de engomar – a carvão! –

Chaleiras de ferro do século XVII

Telefone da década de 1930

Cinzeiro de bronze pesado

Várias fotografias antigas do Caetano

E livros bonitos e raros do Jorge Amado

Muitos deles autografados

E lidos... e relidos...

E nunca esquecidos!

Caixas de som espalhadas pelo chão

Outras em cima da estante

Que me trazem um som relaxante

Enquanto escrevo estes versos...

Um rádio antigo de quatro faixas de onda

Uma coleção de dicionários obsoletos

Em contraste com o dicionário do “Aurélio”

Que ora me tira todo o véu de mistérios

Da língua portuguesa!

(ou não será da língua brasileira?).

Minhas anotações e poesias antigas

Todas encardenadas em capa verde

Bordadas a ouro

Onde, em cima, se lê o meu nome:

TADEU BAHIA!

Uma tela menor onde retratei a carvão

A Igreja de Nossa Senhora d’Ajuda

Localizada no Arraial d’Ajuda

Em terras de Porto Seguro – Bahia

Local onde por um acaso ou descaso

Descobriram... ou acharam perdido,

O Brasil!

Num canto das caixas de som

Jaz encostado o meu violão

Companheiro da minha solidão

Todas as vezes quando a noite chega...

Mal dão sete horas da noite

E os meus dedos compridos e ágeis

Estão tocando, leves, nas suas cordas,

Tentando enganar a minha tristeza

Com acordes suaves e doces

De alguma música romântica...

Caixas de CD’s espalhadas

Por cima da estante,

A minha pasta executiva e negra

Onde – às vezes – guardo o revolver 38

Sempre carregado

Sempre alerta

Sempre útil

...

Um baú de jacarandá

Fechado a sete chaves

Onde guardo as fotografias

Da Família...

Momentos alegres

Outros tristes

Mostrando momentos

Que não mais existem

Significados em cópias desbotadas de papel...

Jornais já lidos da semana passada

Livros da Maçonaria

Revistas de música e de decoração,

Rascunhos de poesias e crônicas

Em meio a despachos de trabalho

E um jornal do mês passado

Com uma fotografia alegre

Da Da. CANOZINHA VELLOSO!

A lembrança distante

E sempre presente

Da VÂNIA e da VERA

Nesses momentos ausentes

Em que se acentua mais e mais

A minha tristeza...

...

Recordações das tardes

Na cidade de Amélia Rodrigues – Bahia

E dos seus crepúsculos maravilhosos;

O café gostoso na casa da Da. ILÔ

Todas as tardinhas

Ou quando o dia mal amanhecia

E toda a cidade dormia o seu sono...

ILÔ... a velhinha querida

Que as minhas doces saudades

Não esquecerão jamais!

A sua cozinha de barro batido

As portas e janelas antigas

E sem pintura

Fechadas por trancas e taramelas,

As panelas de barro cozido

Quase todas pretas e velhas

Mas que cozinhavam ensopados gostosos

Que o meu paladar nunca esquecerá!

Ainda quando estamos no Rio de Janeiro

Em quaisquer restaurantes da Zona Sul

Ali no Aterro do Flamengo

Ou mesmo no bairro da Lapa,

Perto do “Theatro Municipal”

Saboreando pitzas com Coca-Cola,

As minhas recordações voltam

À casinha modesta da Da. ILÔ

E então lágrimas silenciosas brotam

Nos meus olhos verdes

E entristecidos...

A minha vida

Sempre foi uma espera

Desesperada...

A minha vida

Sempre foi uma angústia

Desesperada...

A minha vida

Sempre foi uma ânsia

Desesperada...

Eu até hoje não tive filhos

Embora tenha muita saúde para isso!!

Neste meu segundo casamento

A minha atua esposa já perdeu cinco filhos

E eu... perdi cinco mundos!!

Cinco existências...

Cinco experiências de vida!

Cinco vidas...

Poderia estar hoje

Realizado e feliz

Arrodeado das minhas crianças

E os seus brinquedos e abusos,

Os seus sorridos lindos

Os seus gritinhos agudos

Os seus delírios

A sua graça...

Mas a vida para mim

Foi tão cruel

Que ainda não me deu filhos

E estou aqui, aos 45 anos de idade,

Arrodeado de livros e peças raras

E vários objetos de arte

Inservíveis...

Em desuso...

Sem herdeiros!!

Não tenho filhos

- absolutamente nenhum filho! –

E esta é a minha grande tristeza!

A minha imensa e inexorável

Tristeza...

Nove e meia da noite

Ouço um CD de música barroca

Que me deprime mais e mais...

Os seus acordes mexem fundo

Com a minha Alma

Iluminando de um azul

Os quatro cantos cardeais

Do meu Espírito...

Os meus olhos passeiam

Pelas paredes...

Vejo um painel que trata

A mim e o Antônio Carlos Magalhães

Numa solenidade

Na Academia de Letras de Bahia

Em homenagem ao nosso amigo

JORGE AMADO!

E conversávamos eu e o ACM,

Sobre a restauração do Pelourinho

Monumento de baianidade

Monumento de universalidade

Monumento barro e verdadeiro

Que retrata o nosso povo por inteiro,

Caldeirão febril de muitas raças:

Negra, branca, índia e mulata,

Onde se misturam as crenças

E os mistérios

Onde se misturam o pudor

E o adultério

Nas suas ruelas antigas

E estreitas

Nas suas ladeiras escorregadias

E imperfeitas

...

Iguais ao meu próprio coração!

Continua a música barroca

A jogar na Biblioteca

Os seus acordes melancólicos,

A pasta de despachos

Vermelha e agressiva

Jaz sobre a mesa da televisão...

Circulares, ordens de serviços,

Mais livros de Maçonaria

Revistas e revistas à toa

E uma mariposa solitária que voa

A brincar nas paredes brancas

Com a sua própria sombra...

As janelas fechadas

E por medo da insegurança

Grades vermelhas e fortes (???)

Enlaçadas por um cadeado.

Atrás da porta

O meu tiracolo preto

Onde fica

O inseparável 38...

Bom sempre treinar com balas Dumdum

Bom sempre usar as balas Dumdum, ponta ôca...

E um quadro antigo de São Bento

Que o amigo Meireles algum dia

Irá colocar uma moldura barroca!

A música barroca ainda toca

A música barroca ainda evoca

Uma natural tendência ao suicídio,

À contemplação... à solidão...

Ao afogamento em noites sem lua

E nem estrelas...

O mar negro e as suas ondas tenebrosas,

Onde bravias e horrorosas

Como o meu medo do escuro,

Acordes de solidões e de desejos

Desejos reprimidos, nunca conseguidos,

Vontades retidas no fundo de mim...

O mar escuro

O mar escuro e desconhecido de nós mesmos...

Suavidade translúcida

Que transpira da música

E nos envolve a Alma

Em pseudos momentos de calma

Quando ouvimos os vizinhos

Nervosos e sonolentos

Fecharem as grades das janelas...

Vão dar dez horas da noite

- a noite mal começa –

Baixo um pouco o som

E recordo de tanta coisa...

Tanta coisa boba... tanta!

Minha tristeza é um universo

Onde cada estrela é uma incógnita

Onde cada grão de poeira é um verso

De um poema bobo e sem sentido

Destituído de lógica...

Ouço o tic-tac nervoso

Do meu relógio de pulso...

Ouço o tic-tac neurótico

Do meu Espírito convulso...

Versos escritos por Tadeu Bahia, na noite de 22 de agosto de 1995, em Salvador – BAHIA.

TADEU BAHIA
Enviado por TADEU BAHIA em 08/01/2017
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