TRANSEUNTE
Sou tenente dentre os desocupados da vida.
Meus pés estão inchados de muita vadiação.
Ando que ando por estradas estéreis, sozinho...
Uma viva alma não vejo para cumprimentar.
Sigo então pelo meu deserto, sem destino
E vez em quando paro e olho a vegetação.
Ela é minha companheira e tenaz confidente.
Os pássaros sumiram da ótica e apenas insetos
Se fazem presentes diante dos meus olhos.
Aqui e ali pego um e trituro-o entre os dedos.
Talvez uma legião deles esteja a perseguir-me,
Porque são muitos os que me acoçam e me ferroam.
Estão zangados, eu assassinei seus comparsas
E eles se vingam de uma forma muito dolorosa.
Não têm compaixão de minha pacata solidão.
Desvendo pálidas trilhas e caminho sem pressa.
Meu pensamento tem preguiça de raciocinar
E em brancas nuvens fico: sem chuva, sem sol.
Também não há sobre o que refletir. Estou isento
Das caxumbas perniciosas que a mente fabrica.
Totalmente insosso perante meu próprio eu.
Liberto das guloseimas com que a consciência
Se alimenta. Não há fartura. Não há coisa alguma.
De tanto trotar, canso-me. Resolvo podar os passos.
Gostoso néctar invade meu olfato. Podo também
Meu olhar. Desejo enxergar apenas a tímida natureza.
Em silêncio ela me compreende e me intue a relaxar.
Deito-me sobre o chão batido coberto de folhas.
Estranha sensação se apodera dos meus sentidos.
De repente percebo que não estou só. Estou comigo.
As horas estão longe do meu entendimento. Libertas!
Ainda mais liberto estou eu, porém preso pelo tempo.
Sinto o sopro dos ventos que me assanham a alma.
Como gostaria de olhar para dentro de mim e ver-me...
Tentar decifrar os hieróglifos que meus órgãos escrevem.
Buscar explicar os códigos que me fazem humano
E deixar cair sobre mim as ondas telepáticas dos sons...
Tudo é um emaranhado de sinais secretos. Saber de mim?
Ah! Eis um enigma que nem os filósofos saberiam opinar.
Há em meu âmago um mundo distinto e incolor. É um nada!
Não me vislumbro em peripécias. De nada tenho saudade.
Meus sentimentos estão amorfos. Eu estou amorfo. Distônico!
Não há qualquer realidade que me possa explicar.
Sou indecifrável, inominável. Indubitavelmente seco, sem oásis.
Levanto-me. A jornada precisa ter um fim; eu, um recomeço.
Passeio agora por uma vereda onde há outros animais, irracionais.
Será que eles estão tão sós quanto eu? Será que são vagabundos?
Passo entre eles. Eles me olham, mas não me conhecem. Intruso,
Penso eu. Eu que sou o intruso. Meu universo não é este. E tenho?
Sim. Tenho. Só que está guardado a sete chaves em meu íntimo.
Destranco-me. Percebo-me névoa a invadir o espaço. Flutuo!
DE Ivan de Oliveira Melo