Asfixia

Expressivamente, caem palavras.

Quando nada mais tenho a dar ao mundo,

Eis que caem estas palavras.

Pela primeira vez em muitos anos,

Sinto tudo.

Sinto um ser que nunca existiu,

Oprimido pelo universo perfeito onde nasceu.

Pela primeira vez em muitos anos,

Saí do canto onde nada viveu,

Onde nada morreu.

A não ser, talvez, eu próprio.

Nunca cheguei de facto a morrer,

Pelo menos, o sangue continua meu.

Nem cá dentro me senti desaparecer,

Pela primeira vez em muitos anos,

Sei que a merda sou eu.

A merda sou eu,

A merda é tudo aquilo em que eu já toquei.

Digo isto, porque eu sei,

Que sou o rapaz que perdeu.

A merda envolve-me,

E me cobre até ao pescoço.

Asfixia-me,

Perfura-me a pele, a carne,

E sinto-a acariciando-me o osso.

Decidi trancar a minha própria boca,

Decidi ensurdecer,

Decidi cegar.

Agora, de tudo o que possam dizer,

De nada poderei sentir vergonha,

Só mesmo de morrer.

Sérgio Peixoto
Enviado por Sérgio Peixoto em 21/04/2016
Reeditado em 21/04/2016
Código do texto: T5611682
Classificação de conteúdo: seguro