Fala
você fala que sei
e, eu finjo que entendo
você fala o que eu falo
e, eu finjo entender
você fala ao vento
eu murmuro às portas
minhas portas fechadas
punhos cerrados
dor incerta e preciosa
que me corrói feito cirrose
mata aos poucos de
forma quase imperceptível
na janela a sombra produzida
pelo sol
não revela nenhuma grandeza
você torna a falar
sua fala se mistura com ruídos
sua fala contém microfonia
é aguda e horrenda
e, eu finjo ouvir,
finjo temperar amor e ódio
azeite e vinagre
que são imiscíveis
você fala,
e tuas palavras ricocheteiam
ao léu
nuas palavras ressoam
em minha indiferença
queria lixar as unhas
queria apagar o abajur
fechar as janelas
abrir os pulsos cerrados
na expectativa do golpe
meu corpo tenso e teso
é samurai mumificado
à espera de guerrilhas, guerras,
batalhas de indiferenças
e iniquidade
para quê tudo isso?
por que não partir?
haverá civilidade em toda
essa hipocrisia
não, há apenas
palavras disperdiçadas
e diálogos impossíveis.
há som sem semântica.