Mustang

Passo a terceira marcha e piso no acelerador,

sigo estrada à frente sem me preocupar com a chuva,

o parabrisa agita-se com a água que o molha,

sabe bem o quanto é escorregadia essa vida,

o quanto nenhuma tempestade servirá para lavar minha alma,

minha inconteste existência presa à beirada de um abismo,

olhando permanentemente para seu fundo,

esperando dele alguma respostas às questões que me angustiam,

mas apenas o silêncio impera dia após dia,

na solidão do relógio só a estrada me conforta,

dirigindo sem destino, sem rumo, sem alguém para voltar,

sem nada para acreditar além de uma finitude indefinida,

ouvindo a melacolia de uma música country na rádio FM,

apertando o voltante com toda minha força,

sabendo que meu horizonte não me ilumina o caminho,

suspirando nessa reta de concreto e vazio,

ouvindo o ronco do motor de meu Ford Mustang Shelby,

o único que jamais me virou as costas nessa vida,

o único que sempre me fez cruzar desertos sem pontes,

carregando todo o peso de um coração delirante,

entre tantas vidas, tantos desencantos e lágrimas,

esmurrando o ar em cada parada para abastecer,

sentindo a friagem das noites de inverno nessa jornada,

lembranças esmaecidas como as fotos sem rosto que guardo,

decisões irreversíveis no correr dos dedos pelo painel do carro,

apenas um adeus na lataria de meu espírito cravado de culpas...