Não me dê bilhetes.
Você reclama demais.
Seus bilhetes são frios.
Seu olhar é um bafejo gélido.
Parece que contemplas esculturas
e não criaturas.
Não me deixe vestígios pela casa.
Reticências de presença que não há.
Esquecimentos propositais.
Entrelinhas impossíveis de preencher.
O que lhe peço,
encarecidamente
deixe-me um pouco dessa poesia
que transborda de você,
de seus poros,
de seus olhos,
que encharcam suas lágrimas...
Essa poesia intrínseca.
Silenciosa.
Implícita.
Tácita e corrosiva.
No seu andar.
Na sua caligrafia.
Na sua alma esguia.
E em seu corpo etéreo.
Deixe-me um pouco de sua poesia.
Com rima ou sem rima.
Com lirismo ou sem lirismo.
Com crueldade ou hipocrisia.
Deixe-a aqui guardada comigo.
Para que ainda lembre
o que é humano,
demasiadamente humano.
Imperfeitamente humano.
Amém.
Deixe-me o ritual das palavras,
dos sentidos,
a poesia discreta de sentimentos
tímidos e acanhados.
Ruborizados pela bizarrice
ostensiva...
Deixe-me nem que seja uma só poesia
que mesmo a mais solitária delas...
lotará todo meu multiverso,
refletirá em todas câmeras e lentes.
E, aumentará minha esperança
que anda anêmica e gripada.
Sem poesia
o mundo morre
despido de significado e consciência.
Morre de indigência.
Dê-me a sua poesia.