(Como quem sonha...)
Virei-me, na cama -
e um qualquer movimento
alheio ao meu corpo,
alertou-me os sentidos,
ainda acusando
um torpor ledo e morno:
um movimento brando,
um resvalar macio
sobre os lencóis ainda quentes,
um deslizar displicente,
como as águas de um rio.
Tacteei pela cama,
a minha mão indulgente
velejando a esperança
de encontrar quem me chama,
quem me quer,
quem me alcança,
quem, ao amanhecer,
reage, suavemente,
à invasão preguiçosa
do seu espaço de ser
intrusão caprichosa...
“Quem torneia o meu corpo,
me delineia as formas,
sobre a colcha de lã?
que sedoso escopo
me desperta dos sonhos,
me reúne à manhã
que eu achava perdida,
me desfaz a impressão
de estar só, nesta cama,
de estar só, neste dia,
de estar só, nesta vida...?”
...E o sorriso nascendo
regressa á garganta,
o meu sono, morrendo,
dá um final suspiro:
ninguém, sobre a cama,
ninguém, em carícia
ou em presença física
resgatando os meus olhos,
ninguém, e eu admito
o poder dos meus sonhos,
a traição do meu instinto:
- só o meu telemóvel,
esquecido no leito,
deslizara, ao meu gesto...
e o resto...
é só essa dor dócil
esperando no peito,
dormindo comigo,
acordando comigo,
demarcando a presença,
preenchendo um vazio
gravado em indiferença.
...
Gravado em mensagem
o teu nome - desejo,
dizia, calando:
“meu amor, bom dia”...
...e o meu olhar de sal
fez-se ouro molhando
os meus lábios em beijo...
- matinal alquimia!