Feliz anivEnsaio

Feliz anivEnsaio

Foi daquelas noites em que parece que o dia se dividiu

Aquela que veio pra ficar, fazer triste quem nunca riu

Era meu natal, algo passageiro, até piegas demais, anual

A rotina que queria continuar apressava o meu lado ritual

Teve bala mas não foi de festim

Teve festa, meu aniversário, mas não foi para mim

Foi começado mais atribulado, logo, iminente fim

Talvez fosse chuva, mas era eu quem trovejava

Parecia estar no coliseu, adeus Zeus, bacanal me aguardava

Soltem os cérberos de meu apaziguar

Cantem as ninfas de meu eterno festejar

Foram palmas sem retumbar

Velas acesas para todos os lados

E nas esquinas galinhas pretas a sangrar

Bebidas, só uma, cachaça de cabeça

Em minhas ruas de Ogum a Oxum, éramos umbanda

Sei lá o que eu era agora

Prefiro “escatologizar”

Cuspo sobre pegadas minhas

Sangro em percalços de minha aurora

Entrego-me de corpo, não tenho mais alma,

Sê-lo inteiro aqui e agora

Pra quer ser coração se sou artéria

Pra que se entregar a alguém se não for venérea

Vão para o diabo os que amam com miséria

Queria mesmo os holofotes em mim, parabéns

Chapeuzinhos coloridos, viva a demência dos clowns e dos canapés

Tragam-me a feijoada gorda, o toucinho

Esqueça o presente, cante alto, arrote, parabéns!

Nesse parodiar o carnaval soltei confete

Lancei perfume, fui a baile de máscaras, me envolvi, tive ciúme

E foi só a manhã chegar, o próximo dígito pesar

Estou mais velho, Amém!

Deus ajuda quem cedo madruga, galo cantarei

Devagar se vai ao longe, sempre rastejei

Cobra criada nunca sai de casa, cuidado! Picarei

Parecia tambor mas não arrepiava

Soava como blues mas não emocionava

Queria mesmo chorar, parabenizavam-me

E nessa transcendentalidade perdi mesmo a noção

Seria eu tudo isso, ou o inverso disso

O cultivado erro barroco da razão?

Onde está do bolo a minha fatia?

Cadê as outras crianças, que balões estouraríamos?

Nessa história de realidade, crianças más

Odeio natalidades... E acendi o fósforo molhado

Bati palmas sozinho, cantei calado

Enfiei o dedo no bolo, fiz meu pedido

Acordei mais velho e ranzinza

Acho que sou um privilegiado

Gabriel Amorim 12/06/2014