O "Eu" Forjado
E tu!...
Que ficaste a olhar o cenário e não disseste-me nada!
Que levaste-me de mim a minha alegria inteira!
E deixaste-me apenas o útero meu...
Repleto de amores... A chorar.
E chora ainda!...
Por todos os dias de minha vida!
Daquilo que não tem conserto!
Daquilo que não tem mais volta!
Deste punhal que cravaste-me em minha alma...
E não sara!...
Não conseguirás tirá-lo de meu peito!
Não... Não sara nunca!
Quem pagará pelo enterro daquela "eu"?
Quem pagará as flores...
Todas despetaladas ao chão...?
Ando eu ainda a tropeçar em todas as pétalas.
A tropeçar em tantas de mim... Que nem sei de mim!
E o tempo não as arrastou de mim...
Nem a ventania que fez-se em mim!
Nem sei mais quem eu sou.
Na verdade... Esboço-me...
Dia após dia depois daqueles anos todos.
E esta saudade de viver o que não deixaste-me viver...
Arranca-me a vida...
E morro um pouco à cada dia.
... Deixa-me em paz...
Desboto-me... Na saudade daquilo que não vivi.
Daqueles dias em que (des)reconheci os meus.
Daqueles dias em que arrancaste-me as minhas entranhas!
Não... Não me venhas com o esquecer...
Seria esquecer das raízes que fazem-me ficar de pé!
Erguida! Sempre!
Passo-te eu um segredo:
Não fico eu ao chão por muito tempo.
Fico eu no meu chão...
Este... Para dentro de mim.
Onde deito-me despida de mim e sou criança.
Onde choro... E choro apenas para mim...
Onde nem eu mesma reconheço-me.
Neste limbo...
Entre mim... E aquela que ficou naqueles anos...
Anos que arrastam-se... Grilhões!
E eu queria apenas esquecer...
Esquecer-me!
E... Quem sabe...
Descansar um pouco de mim...
E do teu punhal...
Haja que, quando olho de soslaio...
Ele em meu peito está cravado.
No peito da "uma"!
Daquela... Que enterraste viva.
E gosto eu de tomar banho de chuva.
Por um instante... Tenho a breve sensação...
Do alívio de poder lavar a minha alma de mim.
E desbotar... O esboço das tantas de mim.
Karla Mello
28 de maio de 2014
http://karlamelopoemas.blogspot.com