Dualidade
e sentia-se ela desgraçada e enferma.
pela vida...
por onde os seus passos trôpegos conduziram-na.
da maternidade... sabe muito ela falar.
mas não sabe ela falar sobre o quotidiano caos.
está ela sempre à beira do cais...
envolta em seu caos "multicores".
pinta-o ela mesma...
nos dias em que pouco chove.
e lá está ela!
com lencinho branco nas mãos...
à beira do cais...
à esperar sempre.
nunca disse-me ela o que espera tanto assim...
por tanto tempo assim.
de vez em quando passo por ela... hoje.
gosto de acompanhar a fumaça do seu cigarro.
nela... os seus pensamentos tomam formas à mim.
não sei dizer se alguém mais as percebe... as formas!
mas... na maioria das vezes...
tomam a forma da saudade...
de um tempo que ela sopra... tal poeira.
mas que não cansa a mesma fumaça...
de informá-la que mata-a... à cada dia um pouco...
e que o tempo não voltará ao cais.
disse-me ela que não está nem aí!
mas ainda persiste ela a esperar.
envolta em seu caos...
sentada à beira do cais.
vislumbro-a sempre ao longe.
sofre ela elegantemente.
e traz sempre consigo um sorriso...
nada cínico.
um sorriso que desafia a vida e a morte.
um sorriso que percebo eu estar sempre a indagar:
- e então, vida... o que temos para hoje?
despedi-me dela... hoje.
esvaiu-se na fumaça.
eu? ... dei um trago num resto de tinta que havia em minhas mãos.
e soltei beijos coloridos no ar...
todos à ela!
de certo... voltaremos a nos ver em breve.
ela, quase adulta...
com a sua fumaça que tem formas de saudade.
eu, tão criança e só...
com os meus beijos coloridos no ar.
ela... vestida para o açoite.
eu... pertinho do perdão.
Karla Mello
26 de Março de 2014