CONVERSANDO COM O POETA

“Então ela se fez bonita/ Como há muito tempo não queria ousar

Com seu vestido decotado/ Cheirando a guardado de tanto esperar”.

(Chico Buarque, in Valsinha)

Conversando com o poeta

lisieux

Ah, Chico! Como tu lês a minha mente!

E não somente quando eu me calo

mas quando escrevo e nem sei bem se devo

colocar na poesia os pensamentos...

E como é que tu sabes, meu poeta,

enxergar de forma assim, clara e completa

a alma da mulher?

Sequer precisas tomar na tua a minha mão

num cumprimento...

num só momento tu me lês o coração.

Como podes, assim, sem conhecer-me

o interior desejo, perceber-me?

Saber de forma tão real e densa

o que minh’alma solitária pensa?

Como podes saber que o meu decote

é comparável a um adornado pote

que guarda em conserva, qual compota,

fino manjar, gostoso e adocicado,

o par de seios tão macios do passado?

Como podes tu saber que a minha espera

- essa bruma enfeitiçada, essa quimera -

inda me faz sentir mesmo desejo

que um dia aprisionaram, num só beijo,

e nunca mais voltou aos lábios meus?

Como podes perceber que o meu vestido

tirado do armário dos sentidos

tem cheiro de nostálgica saudade?

Como eu queria que pudesses, meu poeta,

soltar os pássaros do seio, aprisionados,

deixar que caiam as anáguas trabalhadas

com rendas e fitilhos, tão antigas!

Quem dera tu pudesses, nas cantigas,

que tu compões, deixar-me ser a musa

que a sociedade toda acusa

mas que, feliz, com ela não se importa...

Quem dera tu pudesses ajudar-me

a ser inteira outra vez, a libertar-me,

a abrir dos meus anseios a comporta!

E que eu pudesse, nos versos que componho

trancar a sensatez, soltar o sonho,

para que o amor voltasse logo à minha porta.

BH – 23.04.07

lisieux
Enviado por lisieux em 23/04/2007
Código do texto: T461406