Mágoa
Mágoa escorre feito água.
E resseca todo o sentimento
por dentro.
É dissecação espiritual.
Mágoa dói baixinho .
Lá bem fundo do
poço da solidão.
Lá fora, além das cercanias.
Para além da montanha.
Do céu e do mar.
O mundo é vasto e confuso.
Mas também
cíclico e previsível.
Tudo que queremos
é dizer sim.
Mas o mundo
só faz nos dizer não.
O amor que eu lhe tinha.
Era uma flor sem primavera.
Era ventania lasciva
sobre as areias do deserto.
Era um fardo bom de vestir.
Cabia feito luva
na minha alma.
Minha alma
que nua era feliz e plena.
Despudorada e sacana.
E, em sendo amante
tornava-se prisoneira
e cativa.
Era evasiva e incontida.
Ansiando pelo bálsamo de
seu olhar.
Alma lavada.
Lavada pelas águas da mágoa.
Enxaguada.
São lágrimas e chuvas.
Oceanos repletos
de tantos desamores
de tantos enganos.
Mágoa marca o espírito.
O deixa a espreita de
vilanias.
Rebela-se contra cortesias.
E só espera a perfídia.
Entende o silêncio rico
em abandono.
Na infinita mágoa.
Restou-me ainda a nesga
de misericórdia.
Não rasguei o seu retrato.
Não lhe apaguei da memória.
Da retina requentada
E platônica.
De fingir ver você,
Quando de fato,
apenas
enxergava a mim mesma
refletida no outro
no convexo hipotético
toreando liricamente
contra paradoxos
na arena do destino.