Súplica
A foice me encontrou,
A capa preta me envolveu
Eu, grão de areia tosco,
No meio do mundo se perdeu
Cheguei a zombar de um Raimundo,
Moribundo, mas tão eu
Que pena, é chegada a hora,
A Aurora se esvai, e agora?
Conto os segundos, segundas,
Insanas, mal-humoradas, tão cotidianas
Desejo mesmo o domingo,
Calmaria, marasmo, quero fugir
Quero mesmo o centro da cidade,
As rondas noturnas, as vitrines, a segurança
Quero o consumismo louco de americanos,
Sou humano, pernambucano
Ainda penso em dirigir um Ferrari
Em plena Hollywood
Quem sabe falar com um grande ator
Na minha situação quero o queremismo de Marx,
O comunismo de Vargas, que os tempos não trazem, jamais!
Quero descansar em paz,
Que nada, tenho medo do escuro
A capa vai aderindo meu corpúsculo,
Me sinto só, minúsculo, inútil
Quem dera ter a força de mil ditaduras,
Sou Debi e Loide ao quadrado, numa quadratura
Pensam que eu me rendi, mentira,
Sorri, tive ódio, não reagi
O cálcio que perambula fez de minha casa, sustento
Fui tomado de escuro, sofreguidão, desalento
Logo eu, que ironia,
Ri de João e de Maria perdidos num mundo adocicado
Hoje sou Bandeira exaltado, lábios acres
Pedindo a Deus pra logo me levar
Dou uma pausa no lamento,
Pedindo a meu Padim Ciço um momento
Peço com palavras torpes,
Uma reza, uma frase, pelo menos um suporte
Sinto a capa fazendo parte de mim
Somos um só membro, agasalhado me sinto frio
Não encaro a sorte, e para minha morte me levar,
Deixei de zombaria, encarei a fronte sombria
Os olhos de vale me empurravam para o profundo,
Onde quente descansava minha chama
Minha ama, meu amor,
E é com esse aperto no peito, com um aceno sem jeito
Que o Mestre me chama,
Caio da cama, faço o último pedido
Quero o epitáfio bem bonito:
“Aqui morre um homem feliz”
Gabriel Amorim 11/06/2013 http://devaneiospalavras.blogspot.com.br/