É PRIMAVERA LÁ FORA
As águas turbulentas aos poucos se acalmam.
O rio, antes atônito, volta cansado para o seu leito,
Descansando seus braços longos e ferozes.
Pássaros emitem silvos longos e breves,
Em cantata, saudando o novo dia que vem.
O vento ameno lufa as folhagens
E desemboca casa adentro,
Fazendo torvelinho em meus cabelos.
Me vem o cheiro colorido da manhã
Invadindo minhas narinas insones,
Abastecendo meus olhos insones,
Degladiando com minhas dores insones.
Levanto-me da cadeira que geme com meu peso,
Arrasto pés tristes rumo à porta do rancho mudo
E aboio a angústia, tangendo-a para o curral anoitecido.
É preciso estancar o mangue do meu espírito
Que se derrama por dentro, que chora por dentro.
A vida prossegue lenta, fincando suas garras em mim,
Arranhando o coração apartado dos sorrisos.
Preciso refazer meus alicerces combalidos,
Para que minha fortaleza não se esfarele.
Preciso pescar substâncias de sobrevida,
Percorrer trieiros, lavourar mudas de sonhos,
E destilar o vinho bom para brindar boas novas,
Afogando ilusões e desilusões.
Afinal, a vida continua e prevalece acima de ausências;
A vida é pêndulo. A vida é martelo intermitente
Percutindo agudas cadências de esperança.