rifa-se um ser humano:
rifa-se um ser humano...
tem feições de mulher e batom carmim...
mas sabe fazer de tudo um pouco vida afora.
tem mal feitio de vez em quando...
mas é coisinha passageira... logo sorri...
e passa... e gosta de ficar feliz por nada.
a sua história pregressa não é muito engomadinha.
mas os seus dias estão sempre estendidos no varal... lavadinhos.
rifa-se um ser humano...
porque não tem nada que valha a pena para fora...
e à sua volta é apenas cansaço e solidão.
ele tem preferido o silêncio de uns temos para cá.
e pode ainda fazer vezes de ventríloquo.
ele não gosta muito...
mas anda tão cansado que por vezes...
este é o seu maior repouso: que falem por ele.
diz que anda cansado de explicar e ter opiniões sobre tudo.
está preferindo ter opiniões sobre o nada.
rifa-se um ser humano...
ele mesmo deu-me a idéia da rifa!
pelo seu laço de fita folgado nos cabelos...
por suas idéias que não lhe cabem!
pelo seu desespero de encontrar-se onde não encontra-se nunca.
rifa-se um ser humano...
que traz lanças no peito e sorriso nos lábios.
nas mãos... uma metamorfose:
outrora garras... hoje?...
quer trazer apenas afagos nas pontas dos dedos.
disse-me estar cansado também... das garras.
está cansado de viver... mas ainda sonha!
e sabe contar histórias... muitas histórias!
rifa-se um ser humano...
ao preço de deixar-lhe quieto... é baratinho!
ao preço de deixar-lhe em paz...
ao preço de deixar-lhe ficar em silêncio...
e poder ter o descanso de não ter prisma sobre coisa alguma.
está cansado de prismas... e das várias faces do prisma também.
e do dinheiro moeda que corrompe o amor... e o homem mostra!
rifa-se um ser humano que não quer ser mais "ser" ser humano...
quer ser coisa qualquer...
e quer só e apenas sentar-se à frente do horizonte e silenciar...
este é o preço da rifa... nem é tão alto assim!
e quem habilita-se?
os interessados devem procurá-lo nos vãos escuros de si mesmos.
ele não gosta muito de luz...
fá-lo pensar demais.
Karla Mello
04 de Julho de 2013