Perdido afeto.
Se você pudesse ouvir o som de minha voz.
O timbre de minhas palavras.
E estivesse aqui no ritual cotidiano da vida.
Se você soubesse das coisas que sei.
E que dóem ao saber.
Talvez assim a ausência seja poética.
Seja perdoável.
A ausência e o bilhete amassado no lixo.
Como mensagens engasgadas que jamais
Foram ditas,
não se fonetizam.
E na penumbra íntima só extrai sussurros.
Gemidos decadentes e ganidos estridentes.
Se você fosse me encontrar
e confraternizar
Aquilo que não tivemos
Que não teremos
E que não fomos…
Ou fomos,
e deixamos apenas de ser.
Beber o licor alegre e colorido.
Na tacinha sensual e delicada
Sorver a última gota silenciosa
de lirismo
E, depois, ao se despedir
Apenas um breve aceno
Sem pieguices
Sem declarações óbvias ao tempo
Sem melodramas ridículos e
burlescos do amor.
Se ao invés do bilhete arrependido
Houve um gesto firme,
Uma palavra exata
Ou um corpo palpável…
Grotesco porém humano.
Paradoxal porém sincero.
Agonizante porém intensamente vivo.
Vertendo dor em aprendizado.
Vetendo aprendizado em sobrevivência.
E na hora da ficção maior da morte.
O fim seria apenas um recomeço.
O recomeço seria uma nova chance.
Para tudo que aconteceu e desaconteceu
misteriosamente
Nas noites que chorei
Nas surras que apanhei
Nas ofensas que engoli
No amor que senti e desisti.
Nas intimidades tatuadas nas paredes.
Que dor dá se arrepender
Chegar à beira do abismo
E ver ao fundo um ciclo
Repetitivo e infernal.
Mistura de genética e história.
Mistura de biologia e comportamento.
Parte carne e parte espírito…
Um impresso no outro…
Ou outro impresso num…
De forma definitiva, justificável
e inescapável.
Ninguém foge de si mesmo.
Da lógica numérica dos erros.
E dos arrependimentos tardios
Que fazem de Chopin o
Último lenitivo permitido.
Improtus, noturnos, polonaises
E nos braços da berceuse
Recordar-se da criança que
Em mim o mundo abortou.
Do último afeto perdido
antes do fim.