BALADA DO ADEUS
Jamais ouvimos esta música juntos.
Naquele tempo o tempo nos segregava
e nos confundia.
Éramos ainda imensamente jovens...
E foram vários os dias e as noites...
E foram nuvens e tempestades...
E nós, em paralelo, tocando nossas vidas,
trotando nossas dúvidas,
carpindo nossas penas,
ao som lúgubre de estranhos sinos
de um campanário surrealista
sem flores, cantos, preces ou velas...
Não havia milagres.
Tínhamos muitas esperanças
e também um incontrolável desejo de ser
e de viver,
mesmo sem caminhos traçados
ou rotas definidas.
Éramos naus perdidas no oceano,
sem astrolábio ou bússola,
sem lástimas e sem lágrimas...
Luzes, festas, cantos, rezas, penitências...
Tantos eram os pecados a serem redimidos.
Com olhos não tão inocentes
mirávamos mutuamente os nossos corpos
onde hormônios revoltos explodiam
em promessas, segredos e culpas,
muitas transformadas em cartas,
sonetos ou cifradas páginas de diários...
É uma pena, pois jamais ouvimos esta música juntos,
mas deveríamos tê-lo feito.
Assim, teríamos hoje o direito de novamente sonhar
sob a magia das suas notas musicais...
Notas, as saltitantes notas na pauta
eram estranhas estrelas cadentes
naquela noite tenebrosa sem horas e sem minutos
mas, extremamente longa, quase infinita...
Sim, éramos ainda imensamente jovens
quando percebi a exata dimensão da palavra adeus,
que não possui qualquer som quando escrita,
mas um imenso nada que fica, preenche tudo,
inunda tudo e nos desnuda plenamente...
É uma pena, mas deveríamos ter ouvido essa música juntos...
(Da série Cantigas de outono)