Desabafo inconveniente
Ei, escuta-me
Não lhe quero mal...
Por mais que queira
Não consigo lhe odiar até a morte.
O amor definhou e
Escorreu pelos ralos das emoções...
O amor virou lágrimas e feridas.
Combateu durante anos a fio...
Bravamente.
Resistiu, desistiu, tentou de novo
E, finalmente se rendeu
à finitude inexorável das coisas...
Ei, escuta-me...
Somos finitos, boçais e limitados...
Olhe com atenção
essa imensidão complexa do cosmos.
Nossos olhos só enxergam o que
a luz de nosso espírito permite...
Somos todos tão míopes...
Existem milhões de coisas que sentimos
E não entendemos...
Milhões de motivos para partir.
E, apenas um único para ficar...
As vezes, esse nem é suficiente.
Então... é fato,
Eu finalmente parti.
Sem despedidas.
Sem carta ou bilhete.
Mas com muita poesia.
Levei pouca coisa.
Ressentimento, mágoa e frustração...
Lenços, sapatos e perfume.
Parecem que são correspondentes.
O sonho dourado da família feliz.
Não consegui concretizar.
O sonho dourado de não ter
a solidão como companheira.
Não consegui...
E, devo confessar-lhe:
Ela é minha companheira mais fiel,
Mais leal...está presente nas sombras,
Nos medos e, principalmente no fim de cada coisa.
Talvez ela me abandone quando eu morra.
Mas descobri que também
morremos sozinhos...
Ei, escuta-me...
Como se num sussurro dos ventos
lhe soprasse a razão instantânea de tudo
Como se a lucidez misericordiosamente
Fizesse dos fatos uma lógica comestível.
Digira.
Ei, escuta-me...
Vai ser feliz ou infeliz.
Mas, vá ser você exatamente
com alguém ou com ninguém...
Identifique-se no espelho
de sua alma.
Reconheça-se
sem parcimônia.
Cale fundo em seu peito
Essa dor de ter fracassado.
De ter sido amado ou amante.
De não ter sido amado ou errante.
De não ter...
Descubra o seu ser encharcado
dessas circunstâncias...
Ei, escuta-me...
Nos saraus dos tempos...
Os verdadeiros valores perduram
Apenas transmutam de roupa,
de maquiagem, de máscara,
estética...
Consagram éticas exóticas e
Cordialidades instintivas...
Jaz um animal domado nesses corpos
Insanos.
Procure ser gentil com você mesmo.
Não se perca, abrace sua causa.
Faça do breve instante da vida.
Uma eternidade de emoções, feitos
E conquistas.
Tente.
Escuta-me...
Não consigo odiar tanto.
Talvez seja porque o ódio e o amor
Sejam vizinhos de porta...
E, um sempre tira o capacho do outro...
Uma cabeça por outra cabeça.
Ei, escuta-me
A vida segue
E o amor não.
E a solidão fica.