Fragmentos
Não são os afetos que nos negaram
que doem
O que dói é não ser percebido
O que dói é ser paisagem e não sujeito.
É ser objeto, abjeto e discreto.
Por detrás da moita escura da indiferença.
Não são os afetos que damos
E que se perderam...
Afeto não é bumerangue
Que bate no sujeito e volta...
Não há a lógica de Newton
Causa e efeito.
Ação e reação.
Esquema pequeno e corroído.
Binário e vulgar.
Não são os afetos escorrendo no ralo
do medo.
E nem as palavras malditas no momento ruim.
É a indiferença.
É a ignorância.
É o desumano agir sobre tudo.
Sobre a poesia.
Sobre a chuva.
Sobre a dor.
Sobre a vida.
Sobre a morte.
É esse véu nebuloso.
E misterioso a nos distribuir em pares
Que não se complementam...
Que não se encaixam
São díspares,
São mosaicos inacabados...
Recolhendo fragmentos de
tempo e verdade.
E registrando na parede da
consciência
angústia e solidão.
O que dói foi a mão que não afaguei
É o filho que perdi.
O amor que virou ódio
e depois esquecimento.
E, no fim da vida.
Contempla-se da sacada com binóculos
E, ainda assim, não se encontra mais...
Há a mágica da inexistência.
O que dói não são os afetos pedidos
E renitentemente ausentes.
Nem a dormência emocional
do olhar partido.
É se sentir prostrado diante
da realidade e se sentir
impotente.
Fragmentadamente impotente.
Das moléculas até os músculos.
O orvalho é impotente para
saciar a seca ou
matar a sede
Ainda assim é poético e se ressente
dessa manhã
promissora das ilusões.
O que dói
É não se aceito e
nem resgatado.
É não ter seu jeito notado ou reconhecido.
Sua cor, sua aura ou sua fala.
O que dói e
que nos deixa doente
É não tomar diariamente
a dose de coragem
para prosseguir.
Preciso desse fragmento
de destino para continuar o
caminho.