Aldeia global

A cidade dorme enganada

Não conhece a verdadeira luta.

Do nada sabe quase tudo

Que é mal saber de si mesma,

Da mais valia, do desespero e da força bruta.

Roe os segredos, as unhas os dedos...

Não sabe que o que tem atrás dos óculos

É a mais perfeita cara do medo.

As suas regalias são carnes de pescoço

Que comem até o caroço;

E os seus degredos como tira-gosto.

Não vê que a roda viva está ativa

E mais gigante do que nunca;

Não sabe da revolução, do sangue, do dragão;

Dos frutos que, nem amadurecem

E já apodrecem no chão;

Dos guizos das serpentes mais amigas

Que nascem próximas às grandes árvores;

Das festas imodestas, das frestas,

Das sombrias serestas e das prisões;

Dos violões subversivos, dos mortos-vivos;

Dos que não pensam a TV, mas a despensa.

Das multidões que caminham só e sem rumo,

Da solidão do poeta sem prumo e sem prima;

Razão, métrica ou rima;

Do pobre, do negro, da mulher feia, se é que existe;

Da que engole um mosquito e vomita um camelo

mas, com gemidos inexprimíveis ainda persiste.

A cidade só se apavora quando acaba o mundo;

Acorda em sobressalto alto.

Mas em todas as manhãs em que um mundo acaba

Acorda mais sozinha do que cansada.

E vê que o mundo não estava acabado;

Que ainda faltava muito para é ficar pronto.

carlinhos matogrosso
Enviado por carlinhos matogrosso em 21/12/2012
Reeditado em 28/10/2013
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