um - par
eu queria ter um par e apanhar estrelas no céu.
um par... para sorrir à toa e ao léu.
eu queria ter um par para tomar banho de chuva
e agradecer ao criador a graça que é viver.
eu queria um par para chorar
e levar-me pela mão a dançar na noite fria
loucos de amores e saudades,
mesmo que esteja-se tão perto... um dentro do outro.
e agasalhar-me... e proteger-me.
um par... para sermos uma tesoura.
cada um, um lado da tesoura:
e juntos, cortaríamos o fio da vida.
nas formas que quiséssemos. juntos.
eu queria ter um par para silenciar,
mesmo quando o momento solicitasse as palavras.
um par... para deitar-me ao ombro e não pensar... em nada.
para sinalizar à mim com um olhar - farol
e eu - o mar.
e avisar-me que há terra para pisar ao longe...
e que mesmo a faltar agumas braçadas e o ar meu...
chegaríamos lá. juntos.
e que o seu ar seria o meu ar.
eu queria um par para não sentir-me tão só
a andar em metros quadrados apertados
e lajotas de madeiras que esfolam-me os pés.
eu queria um par para sangrar comigo as minhas dores
lágrimas de sangue, rosa ferida nos seus próprios espinhos
um par... para podar-me. e perdoar-me.
e que não praguejasse.
e que não deixasse-me existir tão espaçosa.
eu queria um par... nesse instante do vil relógio.
que daqui a algumas passadas... não sabe nada sobre mim.
o relógio nada sabe do par que não tenho eu hoje.
hoje... eu queria um par, estúpido relógio.
Karla Mello
25 de Novembro de 2012