Pávidos
Chove lá fora, mas ainda vejo tua estrela no oriente
Sacudo a pesada capa encharcada e enrustido de sonhos
Perambulo de corpo e alma no deserto precedente
Do vale mais profundo de teus desejos medonhos
E as pedras na beira do caminho da cidadela?
Sentei nelas sentinela, e vigiei o amanhecer
A vida, vento, vertente viagem voraz vê-se dela
Meu, apenas resta o sórdido e prudente padecer
E as brumas revoadas em névoas pacíficas
Como vapores colores de todo espectro
Em tons quentes e frios trazem à tona místicas
O sensível reflexo de teu semblante ebúrneo
Alicerce fértil do meu sentir nefasto
Teus lábios carnudos revestidos de vermelho
Exaltando nobre a beleza única de teu corpo casto
Que seminu relembro do crânio ao artelho
Teus louros cabelos refletiam ante o céu oposto
Ao que agora negro e chuvoso me espreita o caminhar
Distante, cada vez mais distante do teu rosto
Que impede, frêmito, de qualquer verbo conjugar
Tuas carótidas salientes irmanadas a branca pele
Pulsavam no compasso dos rios da glória da canção
E teus dedos calejados arranhavam o aço de envelhecido fulgor
Gritando ao levantar épico, o desconcerto do amor
Já não sei se ainda quero, ou preciso caminhar
As lembranças me são um lugar quente e seguro
E, nos alforjes, tenho meu aço pra arranhar
Talvez, meu único amigo duradouro...
O vinho derramou pelo caminho, não precisamos de tal conforto
Preferimos sentir o dilacerar lento e canibal das noites frias
E encarar a sobriedade maléfica do sentir semimorto
Que nos arremessam pávidos na igualdade assombrosa dos dias!