A CASA DO PASSADO

Na manhã de 22 de outubro de 2012

A casa acorda passado

A casa escova os dentes do passado

A casa etiqueta os sonhos do passado

A casa almoça passado

A casa ouve as notícias do passado

A casa vê as novelas do passado

A casa toma o lanche do passado

A casa come o pão adormecido das coisas

A casa escreve as coisas do passado

A casa olha o mundo do agora

Inteiro lá fora, pelas frestas de suas janelas.

A casa reage ao passado de modos estranhos

Não está mais conseguindo ouvir música, por exemplo.

A casa não está mais lendo seus livros

A casa não mais está assistindo aos seus filmes prediletos

A casa não está conseguindo conversar direito

Com as outras casas, pelo telefone.

A casa está com dificuldade para escrever e para responder a e-mails

A casa está com dificuldade para escrever comentários

A casa ainda é uma casa solidária com as outras casas em crise

A casa dá conselhos às outras casas

A casa não consegue dar conselhos a si mesma

A casa está exausta dos seus sons sempre os mesmos

A casa acorda todos os dias com as mesmas palavras

Bom dia, casa

A casa circula sempre ao redor dos mesmos passos

Antes de dormir a casa todas as noites ouve

Boa noite, casa

A casa todas as noites dorme, depois de tomar o remédio

A casa todas as noites sonha com algum presente

A casa acorda...

A casa se repete a si mesma... ad infinitum...

A casa quer perder a memória

Mas não quer ficar mais doente do que está

Mais doente, não. Bate três vezes na madeira, casa!

Reza, casa!

Exorciza-te a ti mesma, casa!

Na manhã de 22 de outubro de 2012.