Quiçá...
E quando fui tua quis eu ser.
Pois que nem era eu, minha. E vivia eu tantas vidas, menos a minha.
E quando fui só, não o quis ser.
Queria eu apenas tragar o vento que dantes apenas passava por mim.
E quando fui eu amiga tua, fui em verdade inteira.
Pois que o chão ausentou-se dos meus pés e forçou-me a levitar.
E não quis eu nem acreditar na imensidão daquele ser parco que passei eu a ser.
E quando fui execrada, queria eu apenas um único abraço.
Abraço de duas asas enormes, mas então criei as minhas. E garras.
E fui fênix e quase não revivi... e esgotei-me... e faleci-me.
E quando fui tua não quis eu ser.
Queria eu que fosses tu apenas um galho sêco do outono que passou por mim.
E deixou-me as vestes todas molhadas do nefasto inverno que envolveu-me depois dela.
E arrastaste-me ao teu inferno, mas aquecia-me a minha face pálida da vergonha...
De ser tantas e nunca ser eu mesma... no poço... no fundo. Na lama de mim mesma.
E quando fui bêbada, nunca bati nas portas.
Embriaguei-me de tudo e do ópio - ódio de Deus.
E todas as portas se fecharam e todos os anjos espantei eu.
Não... Engano-me... Algumas portas se abriram...
Apenas para ver a mulher a passar.
E quando tive fome de tudo, comi de tudo e mastiguei. E ruminei e vomitei.
Entretanto, queria eu apenas descansar e resolvi, então, perceber a breve beleza das borboletas.
E quis eu sê-las... e devorá-las todas num banquete apenas meu... num resgate de todas as cores minhas.
E quando fui louca, quis apenas ser livre.
E, quem sabe, viver um pouco a vida minha e segurá-la entre os meus dedos presos nas mãos trêmulas...
E sair das sombras das tantas vidas vividas e nunca minhas.
Quiçá um dia, liberte-me de mim mesma... e seja eu o que sempre quis ser:
Leve... Livre.
Karla Mello
21 de Outubro de 2012