Irmã Morfina
Entre os meus dedos amortalhados
Minha irmã me faz companhia,
Na seringa os teus traços azulados,
Verberam a risonha melancolia
No cabelo revolto a tua trança,
Vagueia nas ilusões enlanguescidas
Pela sombra uma silhueta dança
Nestas pálpebras tão adormecidas
Um mundo novo vem à frente
Por detrás das paredes as fissuras,
Passeando voláteis pela mente
Cantam poesias e pintam figuras!
Quando a noite me empalidece
Sob o vapor e suas névoas oriundas
Tenho a fome que se apetece,
Nas pupilas fúnebres e moribundas
Minha irmã por onde estará agora
Quero saciar-me da nostalgia,
Que escorre pela janela embora,
Doe-me as têmporas a agonia
Deleito-me e no prazer embriago
O amor que ao pincel respinga
Do velho uísque dou-lhe o trago
Amargo e gélido como a seringa
Que em meu incestuoso amor
Fartou-me essa dolorosa sina
De amar-te em plácido estertor
Minha amada irmã morfina!