Chão

Aquele tempo passou

Há poeira nos sapatos,

debaixo dos móveis

Há vestígios dos fatos passados

Não narrados na história

Tatuagens enterradas

com mortos.

Símbolos de protesto ou

angústia.

Autoflagelação.

Almas impressas nas frases

das lápides

Aquele tempo passou

As primaveras perderam as flores

Os frutos não vieram no outono

Só nos restou o inverno

O vento frio a lapidar as lágrimas

A carcomer as paredes sólidas

E pulverizadas da lembrança

Aquele tempo passou

O tempo de pares

De segredos latentes

De meia-palavras

De significado intenso e reticente

Tudo isso é agora

Um emaranhado indefinido

Talvez já o fosse

Mas não foi percebido

Mesmo a não percepção

A sensibilidade cruel da indiferença

Que passa direto,

Que tem pressa

Que tem no instante seguinte

O grande alvo no infinito.

Que é inatingível

Que não se prende às setas…

Jogados pelo arco da memória

Os borrões das letras bêbadas

no guardanapo

E, a última gota de licor

A ser o exilir do tempo

Ou do destempo.

O cálice miúdo, de cristal

Imantado de sua presença

do cheiro da roupa suada

Seus passos, as pegadas

Indefectivelmente esculpidas

no chão de meu coração.

GiseleLeite
Enviado por GiseleLeite em 03/07/2012
Código do texto: T3757851
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