Chão
Aquele tempo passou
Há poeira nos sapatos,
debaixo dos móveis
Há vestígios dos fatos passados
Não narrados na história
Tatuagens enterradas
com mortos.
Símbolos de protesto ou
angústia.
Autoflagelação.
Almas impressas nas frases
das lápides
Aquele tempo passou
As primaveras perderam as flores
Os frutos não vieram no outono
Só nos restou o inverno
O vento frio a lapidar as lágrimas
A carcomer as paredes sólidas
E pulverizadas da lembrança
Aquele tempo passou
O tempo de pares
De segredos latentes
De meia-palavras
De significado intenso e reticente
Tudo isso é agora
Um emaranhado indefinido
Talvez já o fosse
Mas não foi percebido
Mesmo a não percepção
A sensibilidade cruel da indiferença
Que passa direto,
Que tem pressa
Que tem no instante seguinte
O grande alvo no infinito.
Que é inatingível
Que não se prende às setas…
Jogados pelo arco da memória
Os borrões das letras bêbadas
no guardanapo
E, a última gota de licor
A ser o exilir do tempo
Ou do destempo.
O cálice miúdo, de cristal
Imantado de sua presença
do cheiro da roupa suada
Seus passos, as pegadas
Indefectivelmente esculpidas
no chão de meu coração.