Meu adorável sertanejo
Frios foram o dia e o entardecer.
Sol preguiçoso, modorrento, céu nublado.
Eu, aqui, nesta prisão voluntária
Vontade de nada fazer.
Antevejo uma madrugada solitária, gelada,
como o inverno da minha vida.
Sequer os escassos e tímidos raios do sol aquecem a minha dor.
Como um filme, mil vezes projetado na tela da vida,
bons e maus momentos sucedem-se, detalhadamente.
Tantos gostaria arrancar da memória, deletar para sempre.
Num lampejo de pretensão, julgo que boas coisas realizei.
Ou tentei, ou idealizei.
Utéis, fúteis, inúteis, incoerentes, inconsequentes
Inacabadas @.com., na lixeira colocadas
Ou, quem sabe, eram spams?
Hoje posso contar nos dedos
as palavras que balbuciei.
Sobrarão dedos. Com certeza.
Talvez o mindinho, ou quem sabe, o seu vizinho.
ou o "maior de todos".
Saio a perambular pelas ruas, sem medo;
Solitário viver.
Caminho de irregulares traçados,
terra de chão batido.
Nos escassos e mirrados arvoredos
pássaros procuram refúgio, antes do anoitecer.
Praça sem banco, descuido e desleixo.
"Faltam verbas", alega o prefeito.
Projeto abortado, antes mesmo de nascer.
Esconderijo pra almas penadas
Ô cumadre! É bom se benzer!
Vislumbro entre as primeiras nesgas do entardecer
o perfil do sertanejo voltando da lida.
Embornal nos ombros, cruzado,
exibindo, com galhardia, suas ferramentas
gastas, cansadas, luzentes, afiadas.
Cuidadosamente limpas e ordenadas.
Doidas para em casa chegar
e no seu cantinho se refastelar.
Sinto inveja desse homem simples. Sua imutável rotina
Passos cadenciados, empoeirada botina.
Admiro este caipira.
Abençoado homem do campo.
Invejo-o, confesso.
Sua simplicidade é tanta, que nem percebe
os rastros de luz que sua aura espalha por onde passa.
Em cada esquina, uma parada, para um dedo de prosa
apesar do cansaço.
No seu linguajar arrastado,pausado,
cria suas próprias regras gramaticais, é ousado!
Vale tudo. "Eu" com "nois".
Pra que corcordância nominal ou verbal?
Todos entendem o que ele diz.
Na sua alma, não existe lugar,
para a a palavra malquerer.
É feliz. Gosta de a todos agradar.
Suas inocentes peripécias relatar
seus pitorescos causos compartilhar.
Contente sorri.
Por vezes gargalhar aberto
a mostrar o que lhe restou dos dentes
que, impiedoso, o tempo tratou de levar.
Corpo suado, curvado, alquebrado.
Alma limpa, mãos calejadas
a oferecer à donzela, a fruta mais doce
carinhosamente escolhida
da sua roça simples colhida,
deixando entrever, neste simples gesto
o jovem galanteador, que a vida levou.
Nunca reclama de sua diária lida.
Com certeza dura e sofrida.
À cada senhora ou senhorita com quem se depara,
vizinha, cumadre, casada, madame, solteira,
Em sinal de respeito,
segura na mão o chapéu roto, oblonga abas,
Deixando, à mostra, a vasta cabeleira prateada.
Química que nem o tempo o segredo revelou.
Vê-lo afastar-se, em lentas passadas, é emocionante.
Grandeza de tamanha simpllicidade
Generosidade em forma de gente,
emoção genuina, bondade irradiando vida
que do universo a força absorve.
Corpo mirrado, resultado da diária luta,
energia esvaindo-se em cada poro.
Desfrutando-se dos derradeiros raios do sol, no poente.
E, num último e automático gesto, despede-se
acenando com o chapéu, antes de virar a esquina.
O choro contido explode no meu peito.
As comportas da represa se rompem.
Caio na realidade, há temos crescente,
Que não sou mais capaz de expressar
de forma elaborada o meu sentir.
Engulo cada grito da alma em desespero,
numa profussão de sentimentos que se mesclam.
Mistura de amor, simpatia, rejeição, desabafo,
ressentimentos, mágoas, decepções.
Constato desolada o que restou do meu corpo.
Procuro minha alma. Ela se foi há tempos...
Soluços incontidos, tão profundos
que machucam e me fazem tremer.
Zumbi a perambular, enquanto todos dormem,
Evitando o contato, sem ocupar o espaço.
Corpo sem energia, sem essência, oco.
Viva-morta, que não quer mais viver.
Estou carente do calor de um carinho, uma "boa noite"
Um "obrigado", um "Até logo", ou um "gosto de você".
Principalmente daqueles que me cercam, dia a dia.
e a quem a minha vida eu dediquei, voluntariamente.
A quem doei todo o meu querer. Desastrada ousadia.
Eh! A vida roubou minha'alma... paulatinamente.
Minguando o meu já abalado existir.
E eu, ingênua, nem percebi.
Vagarosamente minhas energias foram arrebatadas.
No coração, indeléveis cicatrizes
que nenhum bisturi conseguirá remover.
Entupindo as artérias de dor e mágoas.
Isquemia que faz o coração perder ritimo, o compasso,
oo marcapasso, o contrapasso, a sístole e a diástole.
O oxigênio que desesperadamente busco reaver,
para que o cérebro, lúcido, algum tempo possa resistir.
Ladrões de almas... ele existem.
E eu não acreditava.
Estão por toda parte. Concordo.
Em cada canto, em cada esquina,
colados, próximos como fantasmas,
sorrateiros, dissimulados, matreiros.
Por vezes, agressivos e petulantes,
lobos travestidos de carneiros.
http://armadilhas@.com
Hoje sou um planeta sem órbita, sem rumo, vagando.
Galáxia sem sua estrela maior, congelada, estagnada.
Sensações, sentimentos, emoções,
desejos enterrados no fundo do ego em farrapo, hibernando.
Á espera de que a matéria se decomponha
E a alma possa voar livre em qualquer direção.
Nos encontraremos em algum lugar, um dia,
meu amado, meu poeta, meu sertanejo amigo.
A eternidade a nossa disposição.
Poderei acariciar, dos seus cabelos brancos, as prateadas mechas.
Só luz. Arpas, ar puro, nada de escuridão.
Sua arrastada voz, a contar-me seus "causos".
Pacientemente mostrar-lhe-ei as minhas pobres rimas,
Entoaremos nossas mágoas, deixaremos correr os prantos,
Solfejaremos nossas canções,
Até que os anjos, cansados, nos mande parar.´
É hora de meditar!!!!