Tempo...
Um dueto
Uma que fica, ama, cuida
Outra que grita, chora, escreve
Uma é colo, mãe aflita
Mãe - de tudo o quanto tem vida à sua volta
Outra que cansa e quer morrer - desistir
Quer colo de mãe e é saudade
Quer vestir vestidos de fitas
E borboletas coloridas
E subir em árvores e balanços
E tirar os sapatinhos que apertam
E soltar os pensamentos às janelas
Da alma, do quarto, da sala
E das janelas suas - apenas as lágrimas agora
E das janelas - apenas a chuva agora.
Passarinhos cantam à noite por aqui
Creio que a fazem companhia
À porta da janela sua
A tentar secar a água - lágrimas
Que caem das janelas da alma - sua.
Estou a ficar velha quando percebo à minha volta
Pessoas da minha história que vão despedindo-se da vida
Vida que também é minha
E partem-se os elos meus da minha história com a minha história.
E vamos morrendo aos poucos com todos estes mortos nossos
Desfazendo-se... É isso.
Vamos nos desfazendo aos poucos
E tanta tinta para o branco dos cabelos
E tantos cremes para o colágeno que despede-se
E vitaminas em bolinhas para reanimar o que nem sei se quero ainda.
Bom que fosse só isso... É pouco... E pequeno demais.
E tanta lágrima para a alma minha que despede-se
Todos os dias, um pouco.
Esqueço-me sorrateiramente alguns nomes
Perco tudo o que sempre soube onde estava
Inclusive à mim mesma.
Melhor assim...
Quem sabe possa eu esquecer ainda os caminhos incertos
Onde perdi-me e senti-me absolutamente só.
Tempo... Dá-me a graça do esquecimento de tudo!
Levanta a tua vela e solta-te ao mar imenso da vida
E deixa-me apenas o sorriso dos meus filhos meninos
Ecoando nos corredores de mim.
E que fechem-se, então, todas as janelas!
E quero apenas ser mãe - janela aberta àpenas a eles.
E ficarei à praia...
Acenando para nem sei o quê.
Karla Mello
31 de Maio de 2012