SOLILÓQUIO DO DESAMOR
Andei a prefaciar meus próprios erros
Erros que adornaram minha infância
Como a lírios as pétalas sobrecasacam
Erros que fiaram minha adolescência imatura
Erros que se multiplicam agora em minha maturidade
Sempre que leio minha agenda mental
Com meus compromissos jamais escritos
Porque me apavora desenhar meu futuro
E prever cada dia se repetindo
Como trem governado a um precipício.
Enfim, sempre que a leio,
Suscita em mim uma ânsia de latumiar
Uma latumiação paliativa que dizem tão salutar a vida
Mas o que é a vida?
O que eles sabem da vida?
O que sabem da minha vida?
Nem eu quero saber dela (apesar de trazê-la agendada)
A infância é a única surpresa verdadeira da vida
Como o dia em que vi Ingrid dormindo na varanda
E em ponta de pés aproximei-me dela
Afastei seus lindos cabelos de seu rosto angelical, beijei-o e corri
Já no portão quis vê-la ainda a dormir
E para meu espanto ela, sentada, sorria-me
E eu, com vergonha da armadilha em que caira,
Não voltei à varanda naquela hora... Nem em hora nenhuma... Nunca mais
Hoje, da janela de casa vejo ruas que nunca saberei,
Escuto músicas que nunca dançarei
Vejo pessoas que nunca conhecerei
Pessoas que sempre serão mais felizes que eu
Pessoas que nenhum orgulho possuem,
Cujo não possuir as desobriga de serem infelizes
Pessoas que não erram tanto quanto eu errei e erro
E por isso nunca fazem o que todos esperam que elas façam
E sempre tornam às varandas de seus anjos embosqueiros.