O desaparecimento de Patrícia Porto.

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Perdoe, mas hoje não quero ser outra para fora de minhas regiões internas.

Guardei devidamente os dotes em minhas gavetas bem arrumadas.

Perdoe a solidão de minhas viagens marinhas.

Perdoe a minha mania de contemplar o que é de beleza estranha, distância insana.

Sinto muito pela falta de comunicação quando tudo se comunica com tudo

e ninguém sabe de ninguém a dor e o coração.

Minhas cartas, estas estão aqui na mesa, escritas, seladas,

mal posso esperar para enviá-las ao sem destino.

Da janela renasço mariposa, a irmã feia da borboleta.

Todos a querem matar pela má semelhança.

Podem pensar: “pobre é o destino das mariposas...”

Mas talvez ali no obscuro do quarto lhe salve a liberdade,

a fuga suprema do envidraçamento.

Ser mariposa não é de todo mal assim.

Por isso peço perdão por não colocar minhas “às favas” em dia,

por não ter uma alegria a ser exposta a cada dezena de horas,

por escrever coisas para poucos lerem,

por ter deixado de pertencer aos humildes e humilhados

e então deixar de ouvir que posso entrar no céu.

Peço perdão por reagir aos saqueadores de almas,

aos que vendem promessas e recolhem da terra nossos ossos em vão.

Sim, peço perdão por hoje,

perdoem o meu desejo de ficar só quando tudo mais o que se espera

do mundo, do desejo, da utopia, é a fantasia do baile: a máscara.

Preciso pedir perdão por não ficar chapada diante do mundo que consome,

por ter uma melancolia suburbana quando marcas de roupa dizem

que há mais bonecos de vitrine do que gente de carne e sangue desfilando nas ruas.

Perdoem, por hoje, que seja... Perdoem aqueles que preferem ainda sentir e viver realidades,

os que se deixam ser varridos por medos, dúvidas, delírios selvagens.

Perdoem aqueles que têm preferência por nuvens, dias chuvosos e noites longas.

Eles sabem. Eles não sabem. Eles sonham com o que podem saber.

Por ser uma louca como todos esses - é que preciso sentir que sou a outra

– a que me salva –

a todo instante!

Não, não quero me curar!

Sou louca! Sim, sou louca de pedras, de pedras e rio, de rio ao mar, e ventanias.

E minha loucura talvez fique sem perdão.

Às vezes ela se apresenta antes de mim, de chofre.

Outras, depois, no fluir do tempo, o interminável.

“Coitada da louca.” Há murmúrios...

Ouço e sinto muito por ela e por todos vocês, tão coerentes com tudo.

Mas preciso ser a louca, não posso sequer pensar em ser a sã.

Porque tenho rostos demais de outras em minhas internalidades

e por hábito habito sozinha conversas comigo e costumo cochichar com plantas, bichos e crianças.

Porque gosto da lentidão da lagarta.

Sinto... E peço perdão por gostar mais do meu silêncio que do barulho da festa,

por preferir a solidão da escrita ao declínio dos atualizados, os novos bárbaros.

Por mergulhar em livros na hora exata em que a noite ferve.

Sinto não ter hoje uma felicidade sequer de ocasião,

por não sentir vontade de pênis,

por não querer fazer sexo de brinde ou ter um orgasmo de bolso.

Sim, sou louca e não me vejo nem um pouco forçada a ser

na amplitude do que é fluxo, vasto e infindo

- a mulher vestida de foto,

- o retrato estático da capa.

Porque desapareci há séculos e o meu desaparecimento é mero.

Semblantes das que foram demolidas e mortas, abastadas dentro de mim.

Patrícia Porto

Patricia_Porto
Enviado por Patricia_Porto em 04/03/2012
Código do texto: T3533950
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