Sem memória
Carcomidos cacos, assimétricos
Escavados aleatoriamente no caminho.
Buracos negros sem criação.
Hiatos, elipses e diafragmas
cerrados na ponte tênue da lembrança
A barca da morte projeta sua sombra
Num nicho verdolengo e calmo
A placidez das águas nem escorre a fina agonia
das montanhas
A apontar os céus e o improvável
A indicar a Deus, suas próprias criaturas
Cacos dispersos e negociados ao acaso
A esquadrinhar estranho mosaico
Faces arquivadas na penumbra
Um olho, uma sombrancelha,
Uma pinta ou um sinal…
Um risco de boca
e tudo se diliu
completamente em brumas químicas
da imaginação pungente…
Em silêncios perpetuados
pela morte e esquecimento
Foca-se no retrato,
Naquela face estreitada entre a expressão e o movimento.
Limpando-se a face da cena, do contexto,
Retira-se a situação e o trânsito…
Todos os outros elementos são secundários
Como são secundários os horrores da convivência
Na página motriz
Jaz uma dinâmica intrínseca…
O envelhecimento aponta na face
seus primeiros sinais
Diagnósticos de pré-morte
Ou precoce desvanecer
Chega-se ao extremo de que
tudo é triturado ao máximo
Até a mínima molécula
O máximo se reduz a ser
Milhões de mínimos agrupados
Rezando num coral místico e misterioso.
Tudo é estrangulado para
além da asfixia,
além da cianose,
além da palavra engasgada na boca.
Seria perdão?
Seria arrependimento?
Seria dor?
Ou simplesmente covardia…
O medo corrói as cortinas do tempo
O medo corrói os ossos e sentimentos
E o medo nos deixa mais sós que a
própria solidão.
O medo nos vela e nos enterra
Na perfeita ignorância sem memória.