Sem memória

Carcomidos cacos, assimétricos

Escavados aleatoriamente no caminho.

Buracos negros sem criação.

Hiatos, elipses e diafragmas

cerrados na ponte tênue da lembrança

A barca da morte projeta sua sombra

Num nicho verdolengo e calmo

A placidez das águas nem escorre a fina agonia

das montanhas

A apontar os céus e o improvável

A indicar a Deus, suas próprias criaturas

Cacos dispersos e negociados ao acaso

A esquadrinhar estranho mosaico

Faces arquivadas na penumbra

Um olho, uma sombrancelha,

Uma pinta ou um sinal…

Um risco de boca

e tudo se diliu

completamente em brumas químicas

da imaginação pungente…

Em silêncios perpetuados

pela morte e esquecimento

Foca-se no retrato,

Naquela face estreitada entre a expressão e o movimento.

Limpando-se a face da cena, do contexto,

Retira-se a situação e o trânsito…

Todos os outros elementos são secundários

Como são secundários os horrores da convivência

Na página motriz

Jaz uma dinâmica intrínseca…

O envelhecimento aponta na face

seus primeiros sinais

Diagnósticos de pré-morte

Ou precoce desvanecer

Chega-se ao extremo de que

tudo é triturado ao máximo

Até a mínima molécula

O máximo se reduz a ser

Milhões de mínimos agrupados

Rezando num coral místico e misterioso.

Tudo é estrangulado para

além da asfixia,

além da cianose,

além da palavra engasgada na boca.

Seria perdão?

Seria arrependimento?

Seria dor?

Ou simplesmente covardia…

O medo corrói as cortinas do tempo

O medo corrói os ossos e sentimentos

E o medo nos deixa mais sós que a

própria solidão.

O medo nos vela e nos enterra

Na perfeita ignorância sem memória.

GiseleLeite
Enviado por GiseleLeite em 26/02/2012
Código do texto: T3520820
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