O quarto de chorar
Dedicado ao meu Pai, que me moldou
intelectualmente e que me transformou num ser humano.
havia uma pedra no meu quarto de dormir
Testemunha da minha sórdida solidão.
Possuía a forma endiabrada de um feijão
Clareava minha mente, abria meu coração.
É verdade. Tinha a forma de um feijão
Enfeitava perplexa, minha solidão,
Naquele quarto frio do meu barracão.
Tinha o formato de um grão gigante
Marrom lúgubre de um tom pedante
E cabia na palma da minha mão.
Eu a dominava com meu olhar fulminante
Apertando-a contra meu peito,
Como se fosse minha ultima esperança!
Dava-lhe caricias, pois era minha única companheira.
Não queria que fosse dura, sem sentimento.
Um dia, ganhou luz própria e brilhou.
Foi como se uma lâmpada, acendesse em minha vida.
Talvez o reflexo do meu medo
Da fragilidade da minha própria existência.
Havia uma pedra no meu quarto de chorar !
Era uma pedra que iluminava meu padecer
Solidária com meus sofrimentos, minhas angustias...
Que não me deixaria esquecer de morrer
Por isso, eu a tinha em meu poder.
Para justificar o bêbado sorridente
De loucura intermitente
Que eu me revelara ser
Havia uma pedra no meu quarto de chorar
Havia uma pedra no meu quarto de não amar
Mas aquela pedra, minha amiga incandescente.
Na condição de minha confidente
Dizia ter poderes para me tornar um imortal
Acima do bem e do mal
Atestou minha sanidade, minha inocuidade.
Testemunhou minha casta vaidade.
Era meu ego, meu subconsciente,
Meu martelo de juiz intransigente
Meu diploma de homem inteligente
Que sabia tratar uma pedra, como se fosse gente.
Diante dela eu me despia de todo meu orgulho
E chorava com medo do fim da minha existência
Pois ela era o reflexo da minha consciência
E me ajudava esquecer de viver
Ou esquecer de morrer.
Um dia minha pedra amiga
Confidenciou-me ter ciúmes do espelho
E eu a joguei contra ele e o fiz em pedaços
Minha pedra, minha amiga, confidente, sorridente.
Fragmentou-se, enfraqueceu minhas vaidades.
Mas minhas convicções permaneceram rígidas e
Indestrutíveis, encarnadas naquela pedra mágica.
Que alimentava minhas ilusões.
Naquele escuro quarto de não dormir
Naquela triste sala de não sorrir
Eu via no espelho, os olhos de um homem vencido.
O rosto de um homem sofrido
Mendigando caricias perdidas
Pegando carona nos pratos de comida
Tentando se esquivar das pessoas vingativas
Guerreiras competitivas, restritivas!
De verdades relativas
Tentando retornar à vida
Não consegui.
Quebrei o espelho da minha vida
Abandonei a minha pedra querida ••
Morri!