A carta
Eu devia lhe escrever
Assim tão copiosamente
Tal qual quando choro
Em que o tempo sorve as
lágrimas em labaredas,
A queimar meu rosto em sofrimento
Eu devia lhe contar a sua estória,
sua origem,
Como nasceu, como cresceu
E, pior como você efetivamente
Veio a morrer em plena convivência
de nossos dias.
Morte contemporânea
e errante.
Choro em pensar na carta,
Na letra calígrafa contornando
a agonia como uma dançarina de sete véus
E, ao abandonar o sétimo véu
Num devaneio dúbio e cruel
Suspeito da poesia,
Desconfio da rima e da prosa
E ainda brigo com a vírgula
Pois é quer sintonizar a parábola
perdida de um dia infeliz.
Quer modular a metáfora,
Quer ser metafísica
Enquanto eu, só quero
lhe escrever uma carta,
Um telegrama ou um sms
Para torpedear sua alma de culpa
E conseguir lhe ver novamente
Em meus umbrais de esquecimento.
A carta que não escrevi
A palavra que não pronunciei
A culpa que não causei
Tramaram juntas a solidão fecunda
E agora que estou em silêncio de
monastério...
Rezo para que seja feliz
Sem minha mensagem e permaneça com
a boa e velha dúvida:
Valeu a pena?