No fim das contas
Sentei em frente à vidraça
Talvez fosse dia ainda, mas nem importava muito
O último cigarro ainda enchia a sala de fumaça
Da garrafa de vinho, talvez só duas gotas na rolha
E hoje não é dia pra mais uma
Como tudo se tornou isso?
Como as coisas são tão fúteis agora?
Pela manhã, o cansaço é espiritual
Já à tardinha, o corpo pede menos
E o dia vai-se indo, e não deixa força alguma
“Ah, mas viva o dia... você é o que você faz”
Alguém gosta de derrotas?
Ser vencido pelo tempo é uma maldição
Ser vencido pela vida, é aceitável... Mas não é certo
Ser vencido pela alma...
Mudei o pensamento, que tal lembrar a infância?
Melhor não
Outro dia, me socorri aos prantos lendo um pouco de Bukowski
E depois sorri, afinal, optei por ser assim
Concorda?
O detalhe é que há tempos não me importa concordar com ninguém
E não, ninguém escolhe as cicatrizes que quer carregar
E nem as feridas que se vão abrir
Ninguém quer sofrer
E só eu não consigo entender isso
A impressão é de que vivo cercado por gênios
E todos têm a cura nas mãos
Mas ninguém tem um inferno por dentro
E ninguém está cuidando de ninguém
Eu me esforço, o bastante... É o bastante?
Eu faço o que eu posso fazer
Faço?
Eu não queria confusão com ninguém
Acabei me confundindo comigo mesmo
Eu sou uma ave de rapina
Um pequeno pardal
Um roedor indefeso
E uma taça quebrada...
Não consigo transbordar, em nada
No fim das contas, acabo sempre secando, fugindo...
Daniel Sena Pires – No fim das contas (31/12/11)