A porta
Ninguém sabe o pesadelo que é encontrar-se indefeso
ter que duvidar dos ecos secos de improváveis passos
jogar com a fraca força a fragilidade dos seus braços
ir descobrir com os próprios membros que esta preso
Ver na própria casa só seu cárcere privado
sentir a faca fria do vento cortar-lhe o sono
revirar o corpo desconfortável, ter ao lado
somente o vulto sarcástico de um abandono
Acumulando contos tenebrosos, dos piores horrores
ser reduzido ao dramático grito de um eterno refém
perdi a conta do quanto eu já gritei as minhas dores
pedi a misericórdia dos bons mas me veio ninguém
Bater e rebater, no mesmo ritmo frenético do coração
acreditar que alguém perceberá sua tempestade sonora
ficar um dia inteiro: longa hora após a outra longa hora
a rodar e rodar a maçaneta de ferro e ver que tudo é vão
Modificar toda a rigidez anatômica da porta irredutível
pela pintura grotesca do seu recheio quente e grudento
e mesmo assim sentir escapar as dores do sangramento
numa força interior que nunca lhe pareceu ser possível
Fiquei falando frases feias, enfatizando fonemas fracos
o cerebro sofre da falta de oxigênio em sua louca viagem
quando rompi o último lacre feito com minha cartilagem
senti reduzir a estrutura ossea do meu punho em cacos
E ouvi: “se sofres, se choras, se revives dores do passado
teu drama, para nós, muito pouco ou em nada nos importa
cesse já todo esse alarde, aquieta a potência de seu brado
já derretemos na chama do ódio a chave dessa tua porta!”