*NÃO ENTENDA AQUILO QUE EU NÃO PUDER COMPREENDER
Hoje eu refutei o cálice da companhia e bebi
Solitariamente o torpe fel da minha consciência.
A caminhar na famigerada chama noturna senti
A dor que me causara toda minha imprudência.
Carrego somente as dores que um dia vivi
Sem buscar o prestígio que clama a indolência.
Simplicidade rasgada numa forma própria em si
Incapaz de vencer o copo da minha incoerência.
O vinho tinto na minha língua saneia minha dor
Esconde a música incontida em versos de fúria!
Um sagrado monte maculado pelo meu rancor
E deveras corrompido pela minha vil luxúria.
Gritem as teclas que pressiono com furor
E escrevam o pulsar desta corpulenta injúria
Que meu miserável ser há um dia de se opor
E negar o meu emotivo estado de penúria.
A noite carrega minhas palavras consigo
Enquanto me perco a ouvir e a cantar
As palavras e os versos do meu castigo
A lágrima que eu não consigo mais derramar!
Não espero, não nesta noite, um velho amigo
Não espero uma oportunidade para chorar.
Carrego noite adentro cálices de vinho comigo
Que me lembram o quanto eu pude amar.
Ouço a música entorpecida pela minha alma
O sax arde e o piano chora contra a violência.
Mas não dá! Não dá para tornar a ser alva
A poesia escrita com o sangue de minha latência.
A música toca e eu procuro seus sonhos
Procuro seu corpo e o chamo para dançar,
Mas hoje eu não tenho os seus olhos
E a noite é a única que posso amar!
Não sei se o vinho assim me fez entender,
Mas como quero beijar-te o ventre desbravado
Pela força do mesmo em si a se estender
Com carícias e beijos no seu pescoço dourado.
Mas não dá! Hoje a noite é minha amante
E o vinho minha esposa fiel e vivaz.
Já despido da sanidade vou inconstante
Escrevendo aquilo que me traz paz!
A música se tornou minha margem e guia
E o frio vento noturno minha mansidão.
Já fui vencido e não vejo outra saída
A não ser bradar o amor que levo no coração.
Eu quero a vida e a morte de cada cálice!
Eu quero a guerra e a paz de cada beijo!
Eu quero o ódio e o amor de cada desastre!
Eu quero negar e a aceitar o que tanto desejo!
De caminhar, de viver e de ser mais um instante,
Busco noutra noite alongada a velha lembrança...
De amar e sentir vou sendo um ser hesitante
Mas de sonhar vou emergindo em esperança...
Sou o amante que espera,
Tu, que bravamente, lê!
Não entenda aquilo
Que eu não pude compreender.
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* Dedicado: à minha musa inominada