ESTAÇÃO PERDÃO: ÚLTIMA PARADA

Hoje amanheci com saudades…

Saudades de mim… da minha inocência moça.

Dos sonhos perfeitos de um mundo que me coubesse.

Saudades do sorriso cândido e solitário de minha mãe…

Saudades do olhar cansado de meu pai…

Saudades do verde campo vasto do teu olhar, meu filho.

Saudades do teu “pousar” de quando em vez em mim, minha filha.

Minha filha…

De fato… és a minha melhor tradução de saudade.

Como diz a Clarice Lispector…

“Sinto saudades de coisas que tive

e de outras que não tive… mas quis muito ter!”

Saudades de uma maternidade ceifada pelos caminhos da vida…

De uma maternidade que quis muito ter… e nunca a tive.

Pelas atitudes sempre precipitadas… Minhas e tuas.

Pelas palavras ditas… e que o vento não conseguiu levar. Pesavam demais.

O vento fez curva e deitou-as dentro de nós. E ecoa na minha solidão.

E eu lamento. Tanto… Tento. Sempre… Sarar.

Necessitamos da ajuda do tempo… já que o vento à sorte nos deixou.

Saudades da tua dependência… do teu abraço inesperado a mim.

Do teu olhar no meu trazendo verdades… da música que cantavas para mim.

A ti… já fui um anjo…

Vocês acreditam nisto?

Hoje sinto-me uma exilada das tuas normas sempre politicamente corretas.

Mas tão pouco humanas.

Tantos templos e igrejas… só não o templo que te gerou.

Devo incomodar em ser tua mãe. Sou tão inconstante…

Não tenho nenhuma religião… gosto de tatuagens e brilhante no dente.

Gosto de gargalhadas verdadeiras e altas. Não sou nada comedida.

Nem urbana… Nem mundana. Mas sou Livre.

Desculpa-me por minha liberdade. Existo nela.

Gosto de silenciar e não sou terna todos os dias.

Digo-lhe verdades… preciso dizer… sou tua mãe.

E queres surpreender-me com caminhos já percorridos por mim…

Minha sempre menina… Não consigo calar.

Não consigo parar. Não consigo pensar racionalmente quando me vens tu.

Consigo apenas te aceitar… e te amar da forma mais estranha… das entranhas minhas.

És tão parecida comigo… a de uns tempos atrás…

- Não corra - Cuidado para não cair.

- Assim você machuca-se - Mastigue bastante.

Estas recomendações são sempre válidas… em tempos e relações diferentes.

Só vais compreender-me se um dia experimentares a dor/amor da maternidade.

Ela nos transforma, sabes? … Minimiza o egoísmo… Trabalha a existência.

Necessita tempo… É fato.

Mas nunca tive muita paciência para a espera.

Principalmente do desconhecido… do talvez.

Se eu pudesse… recomeçaria neste nosso emaranhado vivido…

Até chegar ao “nó” existecial de nós.

E sopraria este nó… desfaria-o. Será que sim?

Hoje… amanheci com muita pressa.

Assim vou atrasar-me para o último trem.

Ando muito cansada desta estação.

Não. Não vou desistir... Quero apenas parar um pouco...

Numa outra estação.

Karla Mello

Outubro/2011

Karla Mello
Enviado por Karla Mello em 05/10/2011
Reeditado em 05/10/2011
Código do texto: T3258465
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