TRAGÉDIA EM UM SÓ ATO
Já conheço os passos desta estrada/
sei que não vai dar em nada/
seus caminhos sei de cor
(retrato em branco e preto, Chico Buarque de Hollanda)
Então o que é esta dor
quando o peito se amortalha
e a voz vai pras profundas
e fugidias moradas?
Então o que é tal morte
quando o silêncio ensurdece
e pesa em pedras escuras
e o olhar se trava em perspectiva ausente?
Morte que cai sobre o corpo
e pela força abre o chão
e pelo impacto leva os pés
os olhos, a direção
e por dentro e por fora
nada se desenha em traço
ou faz andar o passo
Estarrecidas horas
incontidas lavas
derramadas
ao prato do desamor
e tudo que maltrata a carne
agora é vivo e me lanha
e todos os sinos anunciam
nos zumbidos da dor
este corte em riste
E dizer que tudo é triste
quanta ironia
E então tal morte é isto
este tropor maléfico
dolorido o corpo
amarfanhada a mente
em pensamentos tolhidos
É fim sem trégua
é zanga que em si deságua
esta morte, sempre atenta
à espreita
ao fim do riso
vago encantamento
impreciso
apenas um instante
de trégua
vivido
E sob aplausos da agonia
eis que sobe ao palco
entra em cena!
Estática platéia
dos meus olhos cansados
assisto a esta peça
já sei de cor suas cenas
seus quadros de via sacra
Na pele os sulcos do tempo
constroem a máscara
do retrógrado espetáculo
Sou fonte
sou receptáculo
sou novamente
enfadonha e surrada
[oh mis- en-scène barato]
esta velha
e curtida
bandida
tragédia em um só ato!